Rede de Observatórios de Segurança

A derrapada da segurança pública

event 17 de janeiro de 2025

Por Wellerson Soares*

A imagem do caveirão ladeira abaixo em um dos acessos ao Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, destruindo carros e quase atropelando um morador é uma alegoria perfeita para o que tem sido a política de segurança do estado. Os últimos meses foram repletos de megaoperações com grandes efetivos policiais, veículos blindados, helicópteros e muitas e muitas fases da chamada ‘operação torniquete’ – outra ótima alegoria para representar a tentativa de conter a fratura exposta que é a pasta no governo Cláudio Castro. 

A operação da última quarta-feira (15), no Alemão, trouxe, mais uma vez, elementos que contextualizam bem a encruzilhada na qual estamos com as polícias e a mentalidade que rege as corporações: violações de direitos, danos ao patrimônio, truculência, invasões, pânico e, claro, mortes. Outra nuance – e não menos importante – nessa ação coloca um grande ponto de interrogação na segurança: a suspeita de vazamento de informações sobre a incursão. Segundo moradores, traficantes começaram a se movimentar na noite anterior montando barricadas e espalhando óleo em algumas ruas, como se soubessem o que aconteceria horas depois. 

Identificado vazamento de informações ou não, fato é que as facções criminosas no estado passaram a um novo estágio de organização e força, buscando novas estratégias e ganhando território. Não precisamos ir muito longe para lembrar. Em outubro do ano passado, a Polícia Militar precisou recuar em uma operação no Complexo de Israel, Zona Norte, após três pessoas morrerem e outras ficarem feridas no tiroteio que deu um nó na cidade parando a Avenida Brasil. Mais ainda, a região de Vila Isabel, também na Zona Norte, tornou-se no último ano palco conflagrado de disputas pelo Morro dos Macacos entre grupos rivais, fazendo dez vítimas em pelo menos dois episódios no segundo semestre de 2024. Enquanto isso, as polícias mais prejudicam o cotidiano de moradores – com escolas e unidades de saúde fechadas, por exemplo – e menos desarticulam grupos que dominam e subjugam regiões inteiras. 

Mas o caos da segurança não é particular ao Rio de Janeiro. São Paulo viu o segundo ano da gestão de Tarcísio ser ainda mais letal. Os dados do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial, do Ministério Público, apontam um aumento de 65% da letalidade policial em 2024, comparado ao ano anterior – média de duas mortes por dia. Puxando a alta dos números estão as operações na Baixada Santista, consideradas as mais letais desde o massacre do Carandiru. 

Somado a isso, episódios de truculência policial de grande repercussão como os do PM que atirou um jovem de uma ponte no bairro Vila Clara, e da agente que chutou uma vítima rendida e ameaçou ‘matar todo mundo’ em Paraisópolis. Para Tarcísio, conhecido por aprovar a postura violenta de policiais, os ‘casos isolados’ não correspondem ao “relevante serviço que a polícia presta por mim, por você e pela sociedade”. No entanto, o governador precisa explicar o envolvimento de 15 policiais na morte de Vinícius Gritzbach, delator do PCC.

De Sudeste a Nordeste, a segurança demonstra sinais de piora. Há quatro dias, Pernambuco presenciou a chacina de sete homens, todos com sinais de execução. Entre os nove estados que compõem a Rede de Observatórios, foi a unidade federativa que apresentou o maior percentual de aumento – de 28,6% em 2023 – no número de mortes provocadas pela polícia e atingiu seu maior índice desde 2019. Na Bahia, as polícias matam 46% mais que agentes dos EUA. Foram 1.702 vítimas em 2023. 

Diante de tantos indícios, por que ainda há investimentos em megaoperações contra as drogas, que custaram R$ 7,7 bilhões por ano em apenas seis estados, como apontou a pesquisa do Drogas Quanto Custa Proibir? Por que a insistência por mais e mais policiais e pela política-partidária de alta letalidade como solução para segurança? O Governo Federal vai esperar a aprovação da PEC da Segurança para tomar medidas mais efetivas nos estados? E a PEC vai continuar cedendo às pressões dos governadores e dar passos atrás? A segurança pública tem jeito?

Wellerson Soares é coordenador de comunicação da Rede de Observatórios.*

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