Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações
- A poucos meses da COP30, o boletim Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações revela falta de padronização e detalhamento de dados sobre crimes contra meio ambiente e povos tradicionais, fornecidos pelas Secretarias de Segurança Pública dos estados AM, BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ e SP;
- Segundo os dados oficiais obtidos via LAI, entre 2023 e 2024 foram registrados 41.203 crimes tipificados na Lei dos Crimes Ambientais; violações contra fauna e flora representaram 69,54% do total de crimes reportados
- Além dos dados das Secretarias de Segurança, pesquisadores da Rede de Observatórios analisaram por dois anos a cobertura midiática de conflitos socioambientais, identificando um baixo números de pautas sobre o tema – apenas 1,20% dos casos registrados pelos estados
- Boletim revela que impacto sofrido pelas comunidades tradicionais não é monitorado pelas secretarias e gera pouca repercussão na mídia
- Relatório chama a atenção para o apagamento da luta de mulheres quilombolas contra a urbanização desorientada e conflitos socioambientais em seus territórios
A Rede de Observatórios da Segurança apresenta o novo boletim Além da Floresta, revelando um deserto de informações sobre crimes ambientais, conflitos fundiários e crimes contra populações e povos tradicionais em nove estados monitorados, entre os anos de 2023 e 2024. O relatório, além de analisar os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às Secretarias de Segurança Pública e órgãos correlatos, também reúne casos identificados por meio de pesquisa diária de diversas fontes de informação, como veículos de imprensa tradicionais e independentes, redes sociais e grupos da sociedade civil. Os estados analisados são: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo o boletim Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações, os dados oficiais revelam 41.203 crimes ambientais registrados pelas Secretarias de Segurança nos estados analisados, nos anos 2023 e 2024, sendo que infrações contra fauna e flora representaram 69,54% do total. Apesar do número elevado, esses dados ainda são insuficientes para se ter garantia do diagnóstico sobre a realidade socioambiental. Isso se deve ao fato, identificado pelo estudo, de que cada unidade federativa tem formas específicas de reunir informações, evidenciando as dificuldades de mensurar ações de impacto socioambiental. E há, também, as limitações da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que não compreende conflitos agrários e violações sofridas por comunidades tradicionais, por exemplo. O resultado é haver baixas notificações e faltar padronização de dados entre as secretarias.
É notório que comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e outras populações tradicionais estão sofrendo com os impactos gerados pelos conflitos diariamente, mas essa dinâmica não está retratada nos dados analisados, visto que as secretarias de segurança pública não incluem, em seus registros oficiais, a violência sofrida por essa população na classificação de crimes ambientais, o que leva também a um escasso acompanhamento pela mídia. Os números também não refletem o impacto das ações legais e oficiais, como abertura de estradas, construção de hidrelétricas, desmatamento para pecuária e agronegócios, além da mineração legalizada.
Na Bahia e no Pará o cenário não é diferente para as mulheres quilombolas. A urbanização desordenada em Belém impacta diretamente os territórios e os sistemas das comunidades tradicionais, pois espaços verdes são substituídos pelo asfalto, o que reduz a qualidade de vida dessa população e despreza sua cultura. Na Bahia são bem visíveis os impactos do crescimento urbano sobre as tradições dessas comunidades. Os manguezais da Ilha de Maré, por exemplo, sofrem com a poluição que coloca em risco a saúde do seu ecossistema, tirando a possibilidade de sustento familiar que provém da prática ancestral da mariscagem.
“A Rede de Observatórios se posiciona como uma iniciativa estratégica em resposta às ausências das estatísticas oficiais. Não é possível não termos ainda, nessas alturas do campeonato de destruição ambiental no Brasil, estatísticas oficiais rigorosas sobre vitimização das populações tradicionais, como quilombolas, comunidades indígenas, ribeirinhas e outras”, destaca a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios. “Leis como a de combate à violência de gênero não foram criadas de forma repentina; são frutos de muita luta, diálogos e embates para produzir mudanças relevantes tanto no campo da segurança pública como nas comunicações, levando os veículos de imprensa a compreender a importância de cobrir eventos inaceitáveis. São essas mudanças profundas que buscamos para os conflitos socioambientais”, completa.
Nesta edição do Além da Floresta, os pesquisadores também buscaram na mídia relatos sobre conflitos socioambientais, identificando um volume de ocorrências muito aquém do esperado. Entre 2023 e 2024, a imprensa abordou apenas 495 casos, pouco mais de 1% dos crimes reportados pelas Secretarias de Segurança Pública. O boletim leva em conta crimes tipificados em lei relacionados a questões ambientais, como maus-tratos a animais, desmatamento irregular, poluição de nascentes, entre outros, e crimes e conflitos com um componente socioambiental em sua dinâmica, incluindo ameaça a quilombolas, danos ao patrimônio de populações tradicionais e omissão por parte de agentes do Estado. O número também surpreende por se tratar de áreas protegidas, mas com histórico de crimes ambientais.
Confira a pesquisa completa aqui