Rede de Observatórios de Segurança

Entre a lei e o lazer: crise e segurança pública no Piauí

location_on
event 29 de abril de 2025

Por Elton Guilherme*

A operação “Rolêzinho”, deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI), objetiva coibir manobras irregulares com motocicletas -– conhecidas como “grau” -– em vias públicas. A operação mobiliza policiamento ostensivo, apreensão de veículos e ações judiciais como o bloqueio de redes sociais e uso de tornozeleiras eletrônicas. Contudo, a narrativa oficial da operação se apoia em uma lógica essencialmente punitivista, com forte apelo à criminalização e ao controle da juventude periférica. 

Ao exibir jovens e motos apreendidas, a polícia constrói uma narrativa de eficiência ao passo que reforça o estereótipo do inimigo público, criminalizando, sobretudo, a juventude periférica. A ostensividade da ação e a sua ampla divulgação nas redes sociais alimenta um processo de espetacularização da punição. 

Práticas como o “grau” surgem como formas alternativas de sociabilidade, reconhecimento e pertencimento, ignorar esse aspecto e reduzir o fenômeno à criminalidade é reforçar os mecanismos de exclusão historicamente dirigidos a esses sujeitos e suas comunidades.

Curiosamente, parte desses setores que reproduzem o discurso foram surpreendidos nos últimos anos por denúncias e prisões de agentes da segurança pública envolvidos com crime organizado, estelionatos digitais e lavagem de dinheiro. Uma contradição que evidencia o duplo padrão moral aplicado a depender da classe e da farda de quem comete o ilícito. Um fenômeno que chama  atenção nas operações policiais recentes no Piauí, e que merece reflexão, é a presença dos chamados “policiais influencers”. São agentes de segurança pública que, além de suas funções oficiais, atuam nas redes sociais com grande audiência, postando vídeos de operações, fotos de apreensões e até de pessoas detidas, muitas vezes com tom de escárnio e constrangimento público e moral. 

Essa prática reforça a cultura punitivista, alimentando uma lógica de violência contra a juventude negra e periférica. Quando um policial se torna influencer, ele passa a disputar a narrativa pública sobre o crime e a segurança, usando o prestígio da farda para produzir conteúdo que nem sempre respeita os limites legais e éticos da função pública. Ao mesmo tempo em que promovem seu próprio nome, esses agentes colaboram para a naturalização da punição como espetáculo, enfraquecendo a construção de políticas públicas de prevenção e afastando ainda mais as juventudes do estado.

Além disso, o episódio envolvendo a reunião entre o secretário de segurança, Chico Lucas, e o influenciador Itallo Bruno — investigado por promover e incentivar o “grau” – expôs fissuras internas na gestão da segurança. O Sindicato dos Policiais Civis (SINPOLPI) criticou publicamente o encontro, argumentando que ele minaria a autoridade da polícia. Esse episódio escancarou a ausência de consenso do próprio aparato estatal sobre como lidar com a questão: repressão total ou diálogo e regulamentação? 

O Piauí parece preferir o caminho do confronto. Ao criminalizar a prática sem oferecer alternativas, o Estado contribui para o agravamento do ciclo de exclusão e da desconfiança nas instituições. E mais: reforça a ideia de que lazer e liberdade são privilégios, não direitos.

A Operação Rolêzinho é sintoma de uma política de segurança que se recusa a reconhecer as juventudes periféricas como sujeitos de direitos. Seu foco quase exclusivo na repressão escancara a falência de estratégias preventivas e intersetoriais. A construção de políticas públicas voltadas ao lazer, ao esporte e à cultura – conforme prevê o Estatuto da Juventude – não é uma alternativa: é uma exigência democrática. Sem essa transformação, a segurança pública continuará sendo, no Piauí e em muitos outros estados, um instrumento de contenção e controle social, e não de proteção e promoção da cidadania.

Elton Guilherme é pesquisador do Observatório do Piauí*

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *