Quem cuida da saúde mental de mães de vítimas de violência?
Por Nathália da Silva*
Em 2016, Joselita de Souza morreu após descobrir repentinamente um quadro de pneumonia e anemia. A cabeleireira era mãe de Roberto de Souza, de 16 anos, morto pela polícia em 2015 ao sair para comemorar o primeiro salário com mais quatro amigos de Costa Barros, Zona Norte do Rio. Depois de perder o filho, sua vida mudou por completo. Aquela mulher que alegrava as festas da família já não existia mais.
Joselita é mais uma das vítimas que sofreram e sofrem transtornos mentais e doenças físicas após as perdas de filhos e outros entes queridos para a violência policial. O estudo “Vozes de Dor, da Luta e da Resistência das Mulheres/Mães de Vítimas da Violência do Estado no Brasil”, produzido pelas pelas Mães de Maio, Mães das Periferias, pela Unifesp e pela Universidade de Harvard mostrou que, de 60 casos analisados, mais de dez mães morreram afetadas pela dor da perda.
Na semana de sua morte, quatro policiais alegaram que não atiraram contra o carro em que Betinho e os amigos estavam. Os agentes continuaram trabalhando na corporação, como se nada tivesse acontecido. A notícia deixou Joselita ainda mais abatida. Para além das doenças diagnosticadas, a família acredita que ela morreu de tristeza.
O vazio e a dor de perder um filho violentamente deixa sequelas que atravessam o convívio social de mães e familiares. O adoecimento psíquico e físico dessas mulheres é uma questão coletiva que traz a reflexão sobre os impactos da violência na saúde mental da população.
Estresses psicológicos, depressão e uso frequente de medicações são algumas das consequências que passaram a fazer parte da realidade de mulheres como Débora Silva, Nivia Raposo, Rute Fiuza e Edna Carla Souza. Todas são mães de vítimas de violência policial em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará.
O trauma da própria perda, assistir outros casos de violência, não acessar a justiça e ver o filho criminalizado após a morte provoca uma revitimização. Assim, a saúde mental é afetada por um sofrimento que nunca acaba e se renova pelas violências do Estado.
“São formas de fazer morrer construídas por um sistema estatal racista e genocida. A saúde mental das mães está ligada a essas construções. A família da vítima também sofre violações de direitos, que adoecem e tiram vidas por processos de sofrimento”, explica Maria Clara Monteiro, psicóloga e pesquisadora nas áreas de violência de Estado.
A violência armada não atinge somente um corpo, mas sim toda a família. Por isso a busca por justiça é fortemente atravessada pela dor. Promover o acolhimento de mães e familiares, uma política de segurança eficaz e o controle das polícias são estratégias fundamentais para fortalecer a luta por reparação.
Nathália da Silva é assistente de comunicação na Rede de Observatórios.*