Segurança para gringo ver
Por Wellerson Soares*
Há três dias, a segurança pública do Rio está sob a maquiagem de cidade segura enquanto recebe as atividades relacionadas à Cúpula do G20, que reúne líderes de ao menos 19 países. A capital fluminense ostenta um esquema de segurança reforçado por 26 mil agentes. Pelas ruas, a cada esquina tem sido comum a presença de tanques e outros veículos blindados ocupados por militares. Se o objetivo era trazer a sensação de segurança, a mim trouxe o desconforto inerente à máquina de moer gente (preta). Ao ponto de meu religioso açaí num dia de calor ser tomado por um estado de tensão. Do meu lado, um jipe de grandes proporções rodeado por oito membros do exército fortemente armados.
As vias expressas que cortam a cidade, patrulhadas por comboios militares. O espaço aéreo é monitorado por drones e aeronaves, esquema contra ameaças invisíveis como armas químicas e ataques cibernéticos. De igual modo, nos noticiários locais opera a suspensão do cotidiano de violência e uma propaganda gratuita da estratégia adotada pelo estado, reforçando a serviço de quem está a narrativa e quem rege o imaginário da segurança pública.
No centro da imagem para inglês ver está a figura dúbia do agente. Usado como representação de segurança no imaginário internacional, é também uma das peças centrais no cenário de insegurança no cotidiano fluminense. Mas esse frágil e fino remendo nos buracos feitos no tecido social será rompido em poucos dias com mais uma operação policial letal. Voltaremos à triste realidade.
Ou melhor, a realidade da população do Rio não mudou em função do G20. A presença ostensiva de agentes de segurança não fez o favelado sentir-se mais seguro. Ao contrário, a tensão é palpável. O contexto do estado há anos não é dos melhores e os problemas relacionados às dinâmicas criminais se aprofundaram. Milícias crescendo e se espalhando sobre o território, grupos criminais promovendo disputas sangrentas por controle de pontos de tráfico de drogas, operações policiais aumentando de forma exponencial e, consequentemente, o número de chacinas.
Percorrendo a cidade durante esses dias, retomei à lembrança o período de Intervenção Federal, em 2018, quando Michel Temer decretou a medida como resposta ao momento de grande instabilidade na segurança pública que vivia o Rio. Hoje, o General Walter Braga Netto, interventor nomeado à época, foi apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos envolvidos no plano golpista para executar o presidente Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, após vencerem as eleições de 2022. A ação coordenada pela PF prendeu quatro militares e um agente federal também suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe de Estado.
A falta de controle da atividade dos setores de segurança e a ausência de políticas públicas efetivas têm nos conduzido à manutenção de um contexto caótico e violento, sobretudo às favelas, enquanto figuras como o General Braga Netto (ex-ministro da Defesa) e outros conspiradores contra a democracia seguem incólumes regendo os rumos do país.
Os líderes mundiais deixarão o Rio, mas nós ainda estaremos aqui vivendo um Estado que insiste na ideia de segurança pública como sinônimo de ostensividade policial, orçamento gasto em aparatos bélicos, alta letalidade como indicador de eficiência e ignora as evidências sobre uma política de confronto que só leva a mais violência. O relatório Pele Alvo: mortes que revelam um padrão mostrou os números da letalidade policial fluminense em 2023. Foram 871 pessoas vítimas decorrentes de intervenção do Estado, sendo 86,9% pessoas negras.
Wellerson Soares é coordenador de comunicação da Rede de Observatórios.*