Rede de Observatórios de Segurança

Em SP, crime organizado e violência sexual e de gênero precisam de novas políticas

event 28 de novembro de 2019

Por Julia Rezende Ribeiro e Bruno Paes Manso*

Os resultados das políticas públicas de segurança em São Paulo não devem ser analisados apenas a partir dos grandes números apresentados pelo governo. Precisam também refletir as consequências que não aparecem nos gráficos e nas estatísticas, mas que são reais e revelam desafios importantes para as políticas públicas.

Em relação aos números oficiais, São Paulo vem registrando quedas consistentes em diferentes tipos de crime desde o começo da década passada. Esses bons resultados já aparecem no cotidiano paulista. As ruas das cidades estão mais cheias e vivas, com carnaval nos espaços públicos, bicicletas, mais uso de transporte coletivo, entre outros exemplos desta nova fase.

A taxa de homicídios dolosos no estado, que atinge principalmente homens jovens e negros nos bairros mais pobres, passou de 33 ocorrências por 100 mil habitantes em 2001 para 6,4 casos por 100 mil em junho de 2019. Se diminuiu a letalidade dos conflitos masculinos, em contrapartida, a violência doméstica, em que as mulheres são as principais vítimas, cresceu.

A taxa de feminicídios triplicou, passando de 0,2 casos por 100 mil habitantes em 2015 (40 feminicídios) para 0,6 mortes em razão do gênero por 100 mil em 2018 (136 casos). Os dados seguem em elevação este ano. Nos primeiros oito meses de 2019, 120 feminicídios já foram registrados. O número de estupros também cresceu 8% de 2017 para 2018, revelando ambientes domésticos vulneráveis, onde cerca de sete entre cada dez vítimas são crianças de menos de 14 anos.  

Os crimes contra o patrimônio apresentaram igualmente queda generalizada, apesar da crise econômica que já dura há mais de quatro anos. No primeiro semestre de 2019 houve redução nos casos de roubo a banco (-64%), roubo em geral (-7,6%) e roubo de veículos (-18%). Com menos roubos, o total de latrocínios (roubo que produz morte) também diminuiu. As 86 ocorrências registradas neste primeiro semestre são as menores da série histórica que começou em 2001. 

Mesmo com esses dados animadores, São Paulo ainda enfrenta sérios desafios em relação aos crimes violentos. O novo modelo de negócios criminal e as inovações na forma de organizar e de ganhar dinheiro com atividades ilícitas em São Paulo, articulado pelo Primeiro Comando da Capital, elevaram os ganhos do crime paulista a um novo patamar.

A facção se fortaleceu e passou a mediar os relacionamentos dentro e fora dos presídios principalmente depois dos anos 2000, quando dizimou os rivais nas unidades penitenciárias e passou a contar com telefones celulares para desempenhar, cada vez com mais competência, o papel de agência reguladora do mercado do crime em São Paulo. 

As próprias políticas de segurança pública, mesmo que de forma não intencional, favoreceram essa articulação dentro e fora dos muros. A aposta no patrulhamento ostensivo e no aprisionamento em flagrante de jovens pobres, moradores de bairros periféricos, por exemplo, mais do que controlar o crime, ajudou[ML1]  a fortalecer os chefes das facções, que criaram soluções para a vida nos presídios superlotados e descobriram formas de estabelecer relacionamentos com o lado de fora. 

O sentimento de revolta contra ações violentas da polícia e contra o ambiente insalubre dos presídios foi trabalhado pelo PCC para arregimentar jovens inexperientes para suas fileiras. Atualmente, a polícia paulista é uma das principais responsáveis pelos números de homicídios. No primeiro semestre de 2019, um em cada três homicídios foi praticado por policiais paulistas na capital. Essa proporção é menor no estado, onde uma em cada cinco mortes é de responsabilidade de policiais.

Outro dado que expõe os excessos desnecessários dessa política de segurança vem das taxas de aprisionamento. Entre 1996 e 2018, a polícia paulista passou a prender anualmente 100 mil pessoas a mais, indo de um total de 75 mil prisões anuais para 175 mil. A região responsável pelo crescimento do aprisionamento foi o interior do estado. 

Apesar do esforço da polícia no combate ao tráfico no interior, foi justamente nessa parte do estado onde a ocorrência de crimes ligados ao tráfico mais cresceu. Passou de 80 casos por 100 mil para 160 por 100 mil, crescimento bem acima do verificado na capital, cujos casos foram de 40 para 60 ocorrências por 100 mil.

O mesmo contraste apareceu na redução de homicídios dolosos. Em 1996, 45% dos homicídios do estado ocorriam na capital, total que em 2018 passou para 23%. Em outras palavras, foi justamente na região onde o ritmo de aprisionamento foi menor que a queda dos homicídios e dos crimes ligados ao tráfico foi mais intensa. 

São Paulo vive atualmente o desafio de olhar para trás de forma crítica e escapar dessa armadilha que aposta na multiplicação dos presídios e na guerra ao crime, criando políticas públicas que promovam oportunidades e despertem na juventude sonhos que estejam longe das atividades ilegais e violentas. 

*Pesquisadora e coordenador do Observatório da Segurança — São Paulo


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