Do garimpo ao narcotráfico: conflitos socioambientais no território indígena na Amazônia
Por Aiala Colares Oliveira Couto e Thiago Alan Guedes Sabino*
Parte 2 do texto publicado na newsletter: https://bit.ly/NewsletterdaRede
Os danos irreparáveis à biodiversidade e aos povos da floresta causados pela garimpagem ilegal são consequências de uma relação político-institucional que partiu do incentivo por parte do Governo Federal. Na era Bolsonaro (2019-2022), flexibilizações das leis ambientais, relaxamento das operações de combate ao desmatamento ilegal e promessas aos garimpeiros de legalização de suas atividades em Territórios de Proteção Ambiental ditaram a regra, ignorando a vida de comunidades inteiras e a preservação de áreas importantes.
A condução imprudente das políticas de preservação tem potencializado verdadeiros desastres socioambientais, como contaminação de rios e dos recursos pesqueiros, a saúde das populações indígenas e ribeirinhas, bem como o aumento de conflitos fundiários nas regiões de extração do ouro, que avançam sobre as reservas indígenas e unidades de conservação.
Outra grave ameaça para o ecossistema amazônico é a entrada de integrantes de facções criminosas nas áreas de garimpo, o que vem configurando uma nova dinâmica dos crimes ambientais na região. O cenário tem se configurado pelas sobreposições de atividades ilícitas entre os grupos, mas também tem viabilizado uma cooperação entre elas, tornando mais complexos o entendimento acerca da presença do crime organizado na região.
O contexto de fragilidade institucional precarizou as ações de fiscalização de órgãos federais, como INCRA, IBAMA, ICMBIO e FUNAI, todos aparelhados por Bolsonaro, causando duas zonas de instabilidade socioambiental relacionadas ao garimpo ilegal: uma em Roraima e outra no Pará. Em ambas, é possível identificar as violências impostas por organizações que promovem atividades econômicas em função do ouro nestes territórios.
No estado de Roraima, esta zona de instabilidade encontra-se nas TIs Yanomami e Raposa Serra do Sol. Trata-se de uma região na Faixa de fronteira do Brasil com outros países sul-americanos, dentre eles, Venezuela e Guiana. A intensificação da exploração garimpeira nessas reservas indígenas aconteceu a partir de 2018, mas foi em 2019 que a expansão e intensidade da destruição passaram a ser mais evidentes. No mesmo período também ocorre a fuga de integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) da penitenciaria Agrícola de Monte Cristo, na capital Boa Vista. Os fugitivos refugiavam-se nessas regiões e em seguida tomavam o controle das áreas, incluindo o comércio, casas de prostituição e venda de drogas, todas sob o controle dos garimpeiros.
Estima-se que existam em torno de 20 mil garimpeiros em terras Yanomami, que nos últimos 4 anos exploram extensas áreas do território, concentrando-se em pequenos vilarejos. As duas maiores regiões garimpeiras são Homoxi e Xitei, nas regiões dos rios Uraricoera, Parima, Mucajaí e rio Couto Magalhães. A organização social desses povos, reunidos geralmente em pequenos grupos espalhados pelo território e a característica de mobilidade em razão da caça e pesca, deixaram os mesmos bastante vulneráveis a esses grupos criminosos que avançaram sobre suas terras.
Já na TI Raposa Serra do Sol, estima-se que 4 mil garimpeiros chegaram a invadir a reserva, porém a resistência dos Povos Wapichana se deu por meio de estratégias de patrulhamento e destruição das infraestruturas do garimpo, o que de certa forma impediu que os impactos nesta região fossem maiores, comparados a intensidade dos que ocorreram na TI Yanomami.
No Pará, nos territórios dos Povos Munduruku na região do Tapajós (região Oeste do estado), o garimpo ilegal avança em direção aos sítios arqueológicos (alguns ainda nem catalogados) e às áreas sagradas para os povos indígenas. Somando-se a isso, frequentemente, em alguns municípios do estado, indígenas têm sido coagidos a conspirar contra o seu próprio povo, colocando-se ao lado dos invasores.
O Vale do rio Tapajós é alvo de diversos megaempreendimentos dos setores da logística e energia, dentre eles, a implantação de portos, ferrovias, hidrelétricas, hidrovias, mineração, dentre outros arranjos espaciais que implicam negativamente na vida cotidiana de indígenas e ribeirinhos. Além disso, há também o elevado nível de contaminação das pessoas, rios e peixes devido ao uso do mercúrio para separar o ouro dos rejeitos.
A atual conjuntura política do Brasil deve compreender a urgência em estabelecer ações mais enérgicas no enfrentamento aos crimes ambientais. Antigos mecanismos de governança devem ser fortalecidos e novos devem ser criados, considerando as novas dinâmicas do crime, que sobrepõem delitos de ordem ambiental com outros da segurança pública. É necessário pensar em novas possibilidades de renda e modelos econômicos sustentáveis que precisam ser incentivados pelo Estado com vistas a garantir a segurança do ecossistema, enxergando os problemas da Amazônia não apenas como uma agenda do Brasil, mas também, como uma questão de segurança planetária. Daí a grande importância de recuperar o prestígio brasileiro como um defensor da sociobiodiversidade amazônica, garantindo assim recursos internacionais para implementação de um padrão econômico sustentável.
*Aiala Colares Oliveira Couto é coordenador do Observatório do Pará
Thiago Alan Guedes Sabino é pesquisador do Observatório do Pará