Rede de Observatórios de Segurança

Cansadas de sentir medo, mulheres se articulam contra anestesista estuprador e violência de gênero

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event 16 de julho de 2022

por Juliana Gonçalves* 

Começamos a semana com manchetes que jamais imaginamos ver: uma mulher havia sido estuprada durante o parto. O caso, que acompanhamos nos últimos dias no noticiário, aconteceu no Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti. Uma unidade de saúde de referência que nasceu de um esforço coletivo do movimento de mulheres da Baixada Fluminense contra a violência obstétrica e é a primeira com conceito humanizado na região. Na noite da segunda-feira, dia 11, o Fórum de Mulheres da Baixada Fluminense reuniu 50 mulheres em uma reunião extraordinária. A denúncia do crime cometido pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra nos fez reagir de imediato.

Entre a incredulidade e a indignação, mulheres de diferentes coletivos e gerações se articularam e deliberaram ações que começaram com um ato em São João de Meriti na última quarta-feira, dia 13. Há nesse grupo, inclusive, mulheres que estiveram à frente da criação do Dossiê Caxias, lançado em 1987, que mapeou a violência obstétrica das maternidades açougues do município de Duque de Caxias, fez com que unidades fechassem e médicos perdessem seus registros. Quase 40 anos depois, as mesmas mulheres, se veem lutando pela mesma pauta. 

As tecnologias de violência se renovam e continuamos a debater sobre os mesmos temas ano após ano. Depois da divulgação do vídeo que revela o estupro cometido por Giovanni, outras mulheres entenderam que passaram pela mesma violência e já se acumulam 50 denuncias. O estuprador teve a prisão  preventiva  decretada e se encontra em Bangu 8, no Complexo de Gericinó, onde é hostilizado por outros detentos pelo seu crime. O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou Giovanni por estupro de vulnerável. 

As relações de poder facilitam que os crimes de violência sexual aconteçam. Nesse caso, o estuprador tinha nas mãos o controle da consciência das vítimas. Nós damos acesso aos nossos corpos a médicos e enfermeiros por confiarmos que nos ajudarão. Mas, nos últimos cinco anos, uma mulher denunciou abuso em unidades hospitalares a cada 15 dias no Rio de Janeiro, de acordo com o jornal O Globo. Essa “vantagem” desses estupradores sobre nós se repete em tantas outras situações. 

No ato ocorrido na quarta-feira, mulheres seguravam cartazes onde diziam estar cansadas de viver com medo e de serem violadas. Nenhum parlamentar do município esteve presente – os mesmos que recusam receber as mulheres do municípios para a escuta sobre o tema da violência obstétrica. Caminhamos da Praça Gil até o Hospital da Mulher onde fizemos um abraço simbólico à unidade. Na curta caminhada que fizemos, carros passavam e gritavam o nome do presidente Bolsonaro. Imprimimos nosso manifesto que dizia que “estuprar é matar em vida” para distribuir para as pessoas. Muitos homens se recusaram a receber o panfleto. 

Para além da violência sexual, não podemos esquecer que estamos diante de um caso de violência obstétrica. O uso excessivo de sedativo pode ter colocado mulheres em risco. Além de tirar delas o direito do primeiro contato com os filhos logo após o nascimento, ouvir o primeiro choro e pegar sua criança no colo ao sair da barriga. Giovanni também retirava os acompanhantes da sala de parto. Por lei, toda mulher tem direito a acompanhante durante o parto no SUS.

Infelizmente, também há outras denúncias de violência obstétrica no Hospital da Mulher e em outras maternidades da Baixada. Entre os próximos passos do Fórum de Mulheres da Baixada Fluminense, está a catalogação de todos esses outros casos na nossa região. A maior parte dessas mulheres expostas à negligência do estado são negras. 

A Baixada é um território majoritariamente negro, com histórico quilombola, marcado pelo abandono do estado e altos índices de violência – incluindo violência contra a mulher. Estamos cansadas de sentir medo, mas a luta por dignidade, respeito e contra a violência de gênero é constante. 

*Juliana Gonçalves é jornalista, pesquisadora, coordenadora de comunicação da Rede de Observatórios da Segurança e membra do coletivo Minas da Baixada que integra o Fórum de Mulheres da Baixada Fluminense

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