Onde tem carnaval, tem direitos humanos
*Por Wellerson Soares
O carnaval já vai terminando e a tradição das escolas de samba em cantar sobre os direitos humanos segue viva. Agremiações de Rio de Janeiro e São Paulo levaram à avenida temas sensíveis, mas necessários de serem abordados, como igualdade racial, de gênero, respeito às religiões de matriz africana, às mulheres, entre outros assuntos.
Desde 1960, com a revolução salgueirense cantando sobre Zumbi dos Palmares, passando pelo samba Ratos e Urubus, da Beija-Flor (1989) e Histórias para Ninar Gente Grande, da Mangueira (2019), que as escolas fazem de seus versos uma forma de levar ao público a defesa de causas sociais e chamar atenção dos espectadores para questões que atravessam a sociedade. É dessa forma que o carnaval atravessa décadas, caracterizado pela luta por direitos e por uma voz potente na crítica social, dentro e fora do Brasil.
Mas para além das festas oficiais com as agremiações, o espetáculo na Sapucaí ou no Anhembi, o carnaval não-oficial, que acontece com os blocos de rua, também é um espaço de resistência e discussão sobre os direitos humanos. Muitos grupos e coletivos carnavalescos têm levado às ruas discursos reivindicando o direito à cidade, à moradia, o respeito à população de rua, o direito ao transporte público de qualidade e à mobilidade, a defesa de espaços públicos, o direito de manifestação e à coletividade, que não exclui o outro. Por isso, por diversas vezes, é alvo de ataques e sofre impedimentos por parte do poder público.
Para o historiador e jornalista Luiz Antônio Simas, em entrevista à Agência Pública, a tentativa de apagamento do carnaval de rua é também uma clara tentativa de restringir direitos.
“Quando você tira o carnaval de rua de cena, há um esvaziamento simbólico da própria rua como instância de construção da vida na cidade. Uma grande disputa que envolve a cidade passa pela rua. O que a gente quer: encarar a cidade a partir da lógica da circulação de mercadoria, de corpos apressados que se deslocam para o trabalho, ou entender a cidade como ponto de encontro?”, disse Luiz.
E é nesse encontro que se fortalece a resistência e a subversão às novas tentativas de distanciamento das classes populares de acesso aos espaços públicos, impedindo que se recrie o êxodo iniciado no século XIX, quando as pessoas foram expulsas do centro do Rio de Janeiro que passaria por um processo de reformas higienistas. Os impactos dessa proposta separatista se refletem atualmente em construções irregulares em encostas, loteamentos clandestinos, marginalização de culturas periféricas, violências e privações de liberdade.
Seja no Rio ou em Salvador, no Recife ou em São Paulo, o carnaval de rua é uma convocatória à ocupação, a soltar o grito e se unir à luta coletiva por direitos.
*Wellerson Soares é jornalista na Rede de Observatórios