Quem garante o direito das crianças e adolescentes no Brasil?
Por Adyel Beatriz*
Outubro é tradicionalmente identificado como mês das crianças, marcado por comemorações em todo Brasil. Passadas celebrações, os olhares se fecham para algo fundamental à subsistência da juventude: direitos básicos de crianças e adolescentes brasileiros, em sua maioria pretos e pobres, seguem sendo negados.
Milhares de jovens vivem no país com privações de direitos, como aponta o estudo “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O levantamento foi realizado com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) Anual, dos anos 2016 a 2022. Nele, foram analisados o acesso de crianças e adolescentes a seis direitos básicos: renda, educação, informação, água, saneamento e moradia.
Conforme estimativas da PnadC, a pobreza multidimensional oscilou entre 60% e 64%, envolvendo aproximadamente 31,9 milhões dos 52,8 milhões de crianças e adolescentes em 2022. Dentre as carências, o agravamento na área da educação, com destaque especial para o aumento do analfabetismo, fica em evidência. O número de crianças de 7 anos que não possuem habilidades de leitura e escrita aumentou significativamente, passando de 20% para 40%. Isso enfatiza a necessidade premente de implementar políticas públicas coordenadas em âmbito nacional, estadual e municipal para reverter a situação.
Os números nos dão a dimensão da gravidade da privação de direitos às crianças e adolescentes em estados brasileiros. No entanto, o significado é muito maior que estatística: são vidas ceifadas ou privadas de direitos básicos de saúde, educação e segurança. Vidas negras e pobres violentadas por um método consistente do Estado.
No boletim “Infância interrompida: números da violência contra crianças e adolescentes”, da Rede de Observatórios da Segurança, de 2021, os dados de letalidade ilustram uma realidade cruel para os jovens de estados brasileiros. Monitorou-se a violência dentro e fora de casa – quando o algoz muitas vezes é a família e outras vezes é o próprio Estado – e um caso de violência contra crianças e adolescentes a cada 12 horas, de junho 2019 a maio de 2021, foi registrado. Em 2023, a Rede monitorou 955 casos de violência entre janeiro e setembro.
Os direitos de crianças e adolescentes são inegociáveis e indispensáveis, como assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Acesso à educação, à moradia adequada com água e saneamento, à saúde, a uma renda compatível com suas necessidades básicas, acesso à informação, e a viver protegido contra violências precisam ser garantidos pelo Estado. Além disso, é preciso mudar o cenário de privações, passando pela priorização de jovens na agenda pública e no orçamento nacional, também pelo investimento em políticas articuladas, voltadas à garantia dos direitos de cada criança e adolescente, sem exceção.
O estado do Piauí no topo do debate
O estudo da UNICEF apontou o Piauí como o estado com maior número de crianças que sofrem com alguma privação. Embora tenha sido registrada queda acentuada em boa parte do país, o estado nordestino permaneceu no topo, sendo junto com o Pará, as únicas unidades federativas com percentuais acima de 85%.
Futuro interrompido
O Instituto Fogo Cruzado lançou em outubro deste ano uma análise sobre o impacto da violência na vida das crianças. Foram contabilizados, no geral, 165 crianças baleadas desde 2016, nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, do Recife e de Salvador. Das vítimas, 41 delas morreram e 124 ficaram feridas.
O caso mais grave é no Rio: das 165 crianças baleadas, 119 delas foram atingidas no Grande Rio, entre 5 de julho de 2016 e 30 de setembro de 2023: 32 delas morreram e 87 ficaram feridas.
Jovens que crescem em territórios que têm a violência do Estado presente, são marcados pelos traumas físicos e psicológicos que ultrapassam o tempo. A ineficiência de políticas de atendimento especializado para meninas e meninos é também outra forma de privação, que tem como consequência a formação de adultos adoecidos.
O Brasil das privações se nega a morrer com tantos Joãos, Emillys, Rebecas, Henrys ou Miguéis vitimados dia após dia. Crianças e adolescentes pobres, pretos e pretas, têm o direito de crescer saudáveis e seguros.
Adyel Beatriz é assistente de comunicação na Rede de Observatórios*