A luta diária de mães negras contra o racismo que a TV não mostra
Por Wellerson Soares*
A cena que viralizou e rapidamente tornou-se o assunto mais comentado das redes sociais, no último final de semana, envolvendo a atriz Giovanna Ewbank tem muito mais camadas do que se pode imaginar. A comoção em torno da figura da artista, branca, defendendo “como uma leoa” seus filhos de ataques racistas em Portugal não é a mesma com mães negras que se levantam diariamente e lutam por si e por seus filhos face ao racismo.
Em torno da figura de uma mãe negra há pouca ou nenhuma comoção. Ao contrário disso, são chamadas de loucas, agressivas e acusadas de maus-tratos, como é o caso de Mirtes Renata, que desde 2020 luta por justiça pela morte do filho Miguel, de cinco anos. Na sentença que condenou Sari Corte Real, responsável pelo crime contra o menino, Mirtes passa a ser investigada por ‘indícios de tortura, maus tratos, racismo e cárcere privado’.
A luta diária das mães pretas não é midiática, não estampa capas de jornais e pouco se houve falar. Sua dor não choca, gera piada. Seus filhos e filhas são injuriados, atacados e vitimados pela polícia a cada quatro horas, de acordo com dados do relatório Pele Alvo. No Brasil racista, que define uma lógica familiar branca, os corpos negros definem o cerne da atividade policial, e do sistema judiciário criminal essas mulheres só recebem insegurança, impunidade e culpabilização por suas perdas precoces na família.
O medo que uma mãe preta tem de vivenciar a inversão da ordem natural das coisas e enterrar um filho faz com que diariamente sejam criadas estratégias para fugir da morte pelo racismo. Seja nos Vietnãs das manhãs de São Paulo ou sob o sol das favelas cariocas, “leva o documento”, “não usa roupa preta que tá tendo operação” são mantras na relação mães e filhos. E por vezes, pensar a ideia de viver dando jeitinho para fugir de ter um filho alvo faz com que o desejo da maternidade morra na raiz, além de ser uma proteção a própria saúde mental evitar a preocupação de futuros sofrimentos com a prole. Afinal de contas, quem vai tentar a sorte de conceber um filho e vê-lo sendo levado (preso ou morto) pelo estado? No Brasil, a chance de uma pessoa negra ser assassinada é 3,7 vezes superior àquela de uma pessoa não negra, segundo dados do Atlas da Violência.
No Brasil ou em Portugal, o racismo mata e quem atira, calunia e levanta a voz do preconceito não são mães pretas. Elas, ao contrário, são vítimas, sofrem, choram, mas se colocam de pé e lutam como mulheres fortes, não como leoas, para evitar que aqui seja selva e que seus filhos e filhas sejam caçados como animais.
* Wellerson Soares é jornalista na Rede de Observatórios da Segurança