Bahia: Como entender os dados sobre violência e segurança pública em 2019
Por Luciene da Silva Santana e Dudu Ribeiro*
Assim como ocorreu nas demais unidades da federação, a gestão da segurança pública na Bahia seguiu modelos tradicionais, não preventivos, centrados no uso da força policial e que tradicionalmente penalizam negros/as. Ao longo dos anos, essas iniciativas mostraram-se incapazes de reduzir os indicadores de criminalidade. Segundo o Atlas da Violência 2019 ( que divulga dados do Sistema de Saúde de 2017), cinco cidades da Bahia figuram entre as mais violentas do Brasil: Simões Filho, Porto Seguro, Lauro de Freitas, Camaçari e Eunápolis. O mesmo Atlas mostra o crescimento das taxas de homicídio no estado: em dez anos, a taxa de homicídios passou de uma taxa de 26 por 100 mil, em 2007, para 48 por 100 mil, em 2017 — um crescimento bastante superior ao da média nacional, que no mesmo período oscilou de 25,5/100 mil para 31,6/100 mil homicídios por ano.
Ao tempo em que se multiplicou o número de homicídios, avolumaram-se os casos emblemáticos de mortes produzidas pelas forças de segurança, desaparecimentos em operações policiais e graves violações de direitos humanos.
No bojo de propostas que tinham amplo apelo para a população e significativa repercussão midiática, no ano de 2011 o governo da Bahia lançou o programa Pacto pela
Vida, com a proposta de atuação conjunta de órgãos da administração pública estadual nas comunidades, associando ações de segurança a iniciativas sociais e de prevenção. O programa foi responsável, entre outras coisas, pela implantação das Bases de Segurança Comunitária – BCS, centralizadas principalmente em bairros periféricos da capital e região metropolitana, além das cidades de Itabuna, Vitória da Conquista e Porto Seguro.
Outras “inovações” foram mais controversas. Uma das práticas do governo da Bahia para ajudar na prisão de acusados tidos como de alta periculosidade é o “baralho do crime”. A ação organizada pela Secretaria de Segurança Pública, com informações alimentadas pela Superintendência de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública, divulga a lista dos acusados mais procurados no estado, utilizando um “baralho” como ferramenta de divulgação, classificando o grau de periculosidade de acordo com a carta em que a fotografia é propagada. A PM baiana também difundiu para seus comandados uma Cartilha de Tatuagens, com a finalidade de “oferecer aos agentes de segurança” elementos “encontrados no corpo das pessoas que cometem delitos”. Ambos os recursos não têm demonstrado eficácia na repressão à criminalidade, mas são representativos da orientação de uma política de produção de vigilância e punição centrada em corpos negros.
A Bahia é um dos cinco estados que integram a Rede de Observatórios da Segurança, proposta lançada pelo CESeC, em parceria com outras instituições, e que monitora casos publicados em veículos locais a partir de 16 indicadores, entre eles, feminicídio e violência contra mulher; racismo e injúria racial; violência contra LGBTI+; violência, abusos e excessos por parte de agentes do estado; corrupção policial; e chacinas. Como integrante da Rede, a Iniciativa Negra traz no seu escopo de atuação a busca por fomentar produções científicas capazes de inserir justiça racial e econômica no centro do debate público sobre políticas de drogas e direitos humanos, entendendo o papel da guerra às drogas na criminalização da existência negra no Brasil de hoje. Esse encontro permite hoje ampliar as nossas lentes sobre questões da segurança nas cidades brasileiras, onde os dados sobre crimes letais podem estar conectados com outros indicadores que permitam melhores entendimentos e alimentem novas saídas.
Em monitoramento realizado de junho a outubro de 2019, mais de 50% dos casos registrados pelo Observatório são referentes ao policiamento, divididos em patrulhamento e operações policiais. A maioria das notícias sobre policiamento diz respeito ao tráfico de drogas – informação preocupante, já que o estado tem adotado na guerra às drogas uma linha de enfrentamento e embrutecimento no uso das suas forças policiais.
Lançada em 2018, uma nova ação de segurança do Estado vem sendo registrada e acompanhada pelo Observatório: a utilização da tecnologia de reconhecimento facial para localização de suspeitos, fugitivos e pessoas com mandados de prisão em aberto. As câmeras foram instaladas em locais de grande circulação, como circuitos de carnaval, estações de metrô, rodoviária, dentre outros. Além de suspeitos, o sistema também está preparado para buscar pessoas que figuram nos bancos de desaparecidos.
Movimentos sociais e pesquisadores têm alertado para os riscos desse sistema, já que as ferramentas de vigilância podem favorecer o abuso e a suspeita indevida e generalizada de pessoas negras. A prática, além de não regulamentada, não é fiscalizada por órgãos externos. Cerca de R$ 18 milhões foram investidos no sistema de monitoramento, divulgado pela SSP como um dos maiores avanços tecnológicos na segurança do Estado.
O segundo indicador que mais surge no Observatório são os casos de violência contra a mulher. O aumento das denúncias passou a acontecer graças à criação das Delegacias Especiais da Mulher (DEAM) e ao advento da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), mecanismos que ajudaram a coibir a violência contra a mulher. O Observatório também tem analisado com preocupação o aumento dos casos de feminicídio no estado, tendo como principais vítimas mulheres negras. Este dado reforça a necessidade de colocar no centro da análise a relação entre gênero, raça e classe.
*Pesquisadora e coordenador do Observatório da Segurança — Bahia