Rede de Observatórios de Segurança

Casa do Hip Hop em Teresina na mira do militarismo

location_on
event 30 de novembro de 2022

Por Elton Guilherme dos Santos Silva*

As tentativas de asfixiar a cultura preta e periférica pelo Brasil tem sido uma das características da onda reacionária dos últimos anos.  Em Teresina, a Casa do Hip Hop, centro de referência do movimento de rua, foi tomada pela Fundação Populus Rationalis, uma organização civico-militar que tem impedido a utilização do espaço por artistas e frequentadores. Desde segunda-feira (28), o local está lacrado por cadeados e protegido por cães de guarda. 

Os ataques ao espaço cultural têm sido recorrentes. Em 2018, durante evento Sesc Amazônia das Artes, a guarnição do 6º Batalhão da Polícia Militar do Piauí (a maioria encapuzados e sem identificação), invadiram o evento e de forma truculenta e abusiva, abordaram e agrediram uma mulher, constrangendo os presentes, inclusive crianças. Em outras oportunidades, professores do espaço tiveram suas aulas interrompidas por policiais que realizaram abordagens no local. E agora, mais uma vez os frequentadores foram pegos de surpresa com os portões fechados e o aviso: “Nova administração, Fund. Populus. Não entre sem permissão”.

A Fundação Populus Rationabilis, do latim, “pessoas razoáveis”, é uma das tentativas de separar as pessoas através de um jugo moral característico de movimentos reacionários dos tempos presentes. Há anos a organização persegue a Casa do Hip Hop, que, por problemas financeiros e pelo contexto pandêmico, teve algumas atividades suspensas. 

Por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, a Casa do Hip Hop estava passando por uma ampla reforma, priorizando as necessidades urgentes como: teto, muro e toda a parte elétrica e hidráulica, que em tese, serviria como garantia do espaço para o andamento das atividades, reestruturação dos cursos e oficinas programadas para os coletivos juvenis, grupos de breaking dance, atividades esportivas, de lazer, capoeira, e produção audiovisual. 

Embora houvesse a necessidade de reforma na infraestrutura do prédio, as atividades seguiram, marcando a resistência do movimento e de seus atores. Pela garra e convicção dos associados, o espaço vem mantendo algumas atividades enquanto as obras não são concluídas. Contudo,  à inação dos gestores do Governo do Estado e da Secretária de Cultura, a invasão à Casa do Hip Hop por uma fundação militarizada demonstra tamanha desvalorização da cultura preta e periférica expressa no local, bem como, a desvalorização dos profissionais e dos segmentos sociais impactados pelo projeto.

Há quase duas décadas, um complexo escolar desocupado na zona Sul de Teresina, tomou cores, ritmos e movimentos por meio do hip hop. O centro de referência nasceu da efervescência das atividades do movimento que aconteciam na Praça Pedro II, considerada o berço da cultura hip hop em Teresina. As ruas e as praças sempre foram palco para vários Rappers, B-boys, B-girls, Djs, Grafiteiros e uma gama de artistas que veem no movimento de cultura preta e periférica, a possibilidade de exteriorizar suas potências e descontentamentos com as condições sociais, materiais e políticas justapostas.

O local já nasce se destacando, pois se tornou a primeira Casa de hip hop das regiões Norte e Nordeste e o maior espaço de um centro de referência de cultura hip hop do país. Ao longo dos anos, a partir das atividades desenvolvidas, o movimento do hip hop piauiense conseguiu destaque nacional com aprovação em diversos editais culturais com o objetivo de ampliar a atuação nas comunidades, promovendo projetos de inclusão digital, artes visuais, cursos de formação, oficinas de dança, judô, capoeira, serigrafia, reforço escolar e preparatórios para vestibular, entre outros.

O espaço conta com um estúdio musical que tem movimentado a cena do rap na capital piauiense, possibilitando grupos de todas as zonas da cidade fazerem suas gravações. O grafite, expressão que ocupa cada vez mais os espaços urbanos de Teresina, também é fortalecido no local, além da dança, com cursos para a comunidade de break, dança afro e dança contemporânea. O prédio também tem biblioteca, salas de dança, projeto de Judô para crianças, capoeira, um espaço para serigrafia, salas de aula para DJs e artistas plásticos.

Com o foco de colocar jovens de periferia em contato direto com sua cultura, inclusão digital, artes plásticas, com os estudos, e com empoderamento de pessoas negras no exercício da cidadania, a Casa do Hip Hop tornou-se uma conquista histórica que promove grande impacto social na região do bairro Parque Piauí e adjacências, levando cidadania, arte, cultura, educação e política à centenas de crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social. 

Acontece que o joelho da Fundação Populus está no pescoço da Casa do Hip Hop não a deixando respirar. Até o presente momento, foram incontáveis denúncias e perseguições de cunho político, ideológico e racista que negam o trabalho e influência da cultura hip hop, inclusive na diminuição da violência na capital. Não há como pensar políticas de segurança pública, por exemplo, sem levar em consideração a importância da cultura preta e periférica e da educação nas periferias. Nenhum passo para trás, não recuaremos!

*Pesquisador do Observatório do Piauí

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *