Conheça mães que através do ativismo mantêm a memória dos seus filhos
Coletivos de mães de todo os país são locais de fortalecimento e conscientização de mães de vítimas do estado. Através da coletividade, elas buscam por justiça para os seus filhos, lutam para que não sejam esquecidos e se articulam para que novas mães não passem pela mesma dor. Quando outras mães vivem essa situação, como no caso da chacina do Jacarezinho na última quinta-feira (06), existe um trabalho de acolhimento.
Não deveria ser necessária a existência de grupos de mães de vítimas, mas a realidade as impõe ao ativismo. Conversamos com três mães que se tornaram militantes depois da morte dos filhos e são elas que nos explicam o porquê decidiram seguir esse caminho:
Tânia de Brito
Tânia, é mãe do jovem Juan Santos, morto pela policia durante uma festa, faz parte do grupo de Mães da Periferia, um grupo das mães de vítimas da violência policial do estado do Ceará.
“Meu filho foi assassinado no dia 13 de setembro de 2019, numa praça aqui no bairro onde a gente mora. Enquanto havia uma batalha de brega funk, a polícia chegou já batendo nas pessoas que se encontravam no local e nesse tumulto, todo mundo correndo, meu filho foi atingido. Um tiro na cabeça. Um tiro só. Ele veio a falecer com esse disparo feito pela polícia militar do estado do Ceará.
Hoje eu faço parte do movimento Mães da Periferia de Vítima Por Violência Policial do Estado do Ceará. Surgiu em mim um senso de justiça pelo meu filho e por outras vítimas que a gente está vendo todo dia acontecer. O meu filho tem voz. Eu sou a voz dele. O meu (filho) não foi a primeira e nem será a última (vítima), mas a gente tenta dar o nosso melhor para que a gente venha conseguir que isso pare. Para que essa polícia que mata pare. Que não venha destruir outros sonhos que nem destruiu os do meu filho. Então o que eu busco é justiça por ele e por outras vítimas”.
Nívia Raposo
Nívea faz parte do Movimento Parem de nos Matar, da Rede de mães e familiares da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, e é articuladora de territórios da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – IDMJR.
“Acredito muito na força coletiva. Se cada pessoa que carrega cicatrizes das violações se conscientizar que isso não é normal. Podemos fazer um levante popular como nunca visto nos livros de história. Se isso vai mudar as estruturas eu não sei. É impossível prever sem nem tentar. São anos de luta para conseguir um mínimo de direito…direito esse previsto por lei. Não podemos dá um passo atrás. Não podemos achar normal tantos retrocessos.
A morte violenta não pode ser aceita e nem deve ser banalizada. Meus passos vêm de longe, aprendi a ser resistência desde sempre. Continuarei com os punhos erguidos e de mãos dadas com as companheiras, formando uma corrente humana na luta por justiça, memória, reparação e direitos. Antes de ser mãe de vítimado, eu fazia meu ativismo reclamando do sistema injusto. Das faltas de oportunidades , mas, me tornei ativista de fato no momento que vi o corpo preto do meu filho caído no portão de casa. Ali, senti que me mataram também. Quando olhei em volta e notei a quantidade de pessoas lamentando a morte do meu filho, sofrendo, desmaiando e gritando. Um gatilho foi despertado…estava pronta para lutas maiores. Me unir a outras mães e familiares para cobrar justiça para todos”.
Débora Maia
Débora é fundadora do movimento social Mães de Maio, da Baixada Santista, no litoral paulista, e luta pela memória de seu filho, Edson Rogério Silva dos Santos, que foi uma das vítimas dos chamados “Crimes de Maio”.
“Eu acredito no ativismo, principalmente quando ele vem com uma missão de não se contaminar, uma missão de balançar as estruturas, uma missão de ocupar uma academia para transformação do sujeito, ocupar a legislação e fazer leis que abordem a violência do estado, como fizemos com a lei da semana estadual das pessoas vítimas do estado. É inédito. Levamos ela para o Rio de Janeiro, pq a gente assistia o Rio de Janeiro com tanta matança e não tinha uma lei que desse um olhar para essa situação da memória. Levamos ela para Minas Gerais, onde está sendo discutida e praticamente implantada.
O ativismo faz com que você como mãe, você como a primeira pessoa, faça um levante e acorde a nível nacional e internacional mães que perderam os filhos. E mesmo aqueles movimentos que eram locais, como muitos movimentos no Rio de Janeiro, se desloquem do seu território e ocupem todos os espaços possíveis da esfera federal. Dando visibilidade para o que acontece nas violações, nas opressões, no extermínio e na falta de políticas públicas.
Eu me tornei ativista há muito anos, desde quando o inquilino do meu pai foi assassinado com uma bala perdida em 92, na Baixada Santista, na cidade de São Vicente. E aí vem o mais forte: quando meu filho foi executado pela polícia em 2006, que aí nasce o Movimento Mãe de Maio. É um movimento que já tem vários núcleos, principalmente no nordeste, em Goiás e Minas Gerais. A gente acaba pegando vários outros estados e ajudamos essas mães gritarem e não acharem natural que o estado tire a vida dos seus filhos.”