Cultura masculinista e o discurso de ódio na internet
Por Wellerson Soares*
Discursos de ódio contra mulheres, negros e negras e pessoas LGBTQIAP+ e o resgate de uma masculinidade hegemônica tem mobilizado grupos de jovens via internet e resultado em ataques a escolas e casos de violência e feminicídio. O movimento masculinista, incubador das culturas incel e redpill, tem se fortalecido no Brasil e cooptado jovens frustrados e que tenham um mínimo de interesse no assunto.
O termo incel vem da junção das palavras “involuntary celibates” e fala a respeito de homens jovens que se definem como “celibatários involuntários”. Esse grupo se reúne em fóruns de websites para compartilhar seus fracassos e falar livremente sobre opiniões extremistas. Suas frustrações estão majoritariamente destinada a mulheres por não conseguirem ter relações sexuais, mas também endossam violência contra outros grupos, inclusive pessoas LGBTQIAP+.
Já a cultura redpill é inspirada na trama do filme Matrix, na qual o personagem de Keanu Reeves toma uma pílula vermelha e passa a ter consciência de uma realidade ilusória. Com o enredo da obra fílmica deturpado, esses grupos de ativistas masculinistas afirmam que tomar a pílula vermelha significa abrir os olhos para opressões que vêm sofrendo, sobretudo causadas por mulheres, as quais classificam como vilãs do mundo.
A conexão instantânea por meio das redes sociais e da internet tem proporcionado esses encontros e propagado com facilidade discursos de ódio e coordenado ações violentas entre grupos. Segundo indicadores da Central Nacional de Denúncias (CND), da instituição Safernet, o Twitter foi a plataforma com maior número de contas denunciadas por discurso de ódio em 2022. Além disso, o ano passado registrou um aumento de quase 68% em crimes envolvendo manifestações odiosas nas redes.
Nos ataques mais recentes a escolas no país, textos e fotos pelas redes sociais celebraram os acontecimentos que geraram grande consternação e preocupação de variados setores. Basta uma busca simples para que sejam encontradas diversas publicações exaltando atos violentos no Brasil e no mundo. O adolescente que invadiu uma escola em São Paulo e matou a professora esfaqueada, em março deste ano, antes do ataque, fazia referências a um dos autores do massacre em Suzano (SP) em 2019. O jovem também adotou o sobrenome de um deles em seu perfil no Twitter. Com essas informações circulando livremente ao acesso de todos, eventos de violência como esses vão inspirando novos casos.
Ainda não existe uma lei que trate especificamente de propagação dos discursos de ódio no ambiente virtual, embora exista o Marco Civil da Internet que preza pelo bom uso do recurso, respeitando a liberdade de expressão, os direitos humanos, entre outros aspectos. Após a onda de ataques a escolas, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou medidas de combate aos pensamentos odiosos nas redes sociais. As plataformas que descumprirem as determinações e não retirarem do ar as publicações, podem sofrer multas ou até banimento. A regulamentação das redes sociais será tema de uma votação no Congresso, prevista para esta semana.
A tentativa é para conter o avanço de movimentos masculinistas que pregam supremacia e violência e frear a cooptação de jovens que apresentem minimamente interesse pelo assunto. Porém, ainda sem regulação das redes, os discursos se propagam de maneira veloz e das mais variadas formas, como por exemplo a criação de podcasts de ensino da cultura redpill.
Recentemente, o influenciador digital Thiago Schütz virou assunto na internet após contar sobre um encontro em que foi alvo de suposto comportamento manipulativo típico das mulheres. O dono da página “Manual Red Pill” revelou parte da mentalidade de retomada do protagonismo masculino na sociedade e legitimação do ódio a mulheres. “A mulher tem muito dessa coisa de tentar moldar o cara, tentar colocar ele debaixo dela”, disse Schütz em trecho da entrevista a um podcast.
O caso ganhou grande repercussão e o homem virou alvo de comentários e piadas. Em um dos conteúdos cômicos feitos pela humorista Livia La Gatto, Thiago Schütz respondeu com ameaças e violência: “Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso processo ou bala”.
A onda de crescimento de ataques e movimentos supremacistas fortalecidos pela internet mostra que já passou da hora de governos olharem com urgência para a regulação das redes. Esse processo passa também pelo enfrentamento das grandes empresas detentoras dos monopólios digitais, em movimento comprometido com a democracia e segurança de todos.
Wellerson Soares é jornalista na Rede de Observatórios*