Desastres nada naturais ameaçam o meio ambiente
Por Wellerson Soares*
Não, este não é um alerta qualquer. Tampouco um chamado à contemplação de um fenômeno natural incontrolável, o qual só podemos observar e torcer para que dessa vez seja menos devastador. O Dia do Meio Ambiente é um manifesto a entender as diferenças entre desastres naturais e crimes ambientais e mostrar que, para além dos ataques à Região Amazônica, existe um contexto urbano cometendo diariamente infrações prejudiciais ao ecossistema nas periferias e nos grandes centros de todo Brasil.
A Rede de Observatórios registrou 189 crimes e conflitos socioambientais em 2023. Os eventos vão desde ilegalidade da extração de minérios (garimpo), da ocupação de terra (grilagem), da derrubada de árvores (madeireiros), da pesca (peixes e caranguejos), do tráfico de aves, dos maus tratos a animais, à pichação e prática de soltar balões.
São ações muito além da Região Norte e estão presentes nas periferias e nos bairros Brasil afora. Territórios inteiramente vulnerabilizados pela falta de políticas de preservação, planejamento urbano, distribuição de renda, acesso à saúde e a saneamento básico tornam-se alvos fáceis de controle de facções e milícias, cujos objetivos são domínio e lucro. Assim, novas dinâmicas são criadas a partir desses grupos, modificando todo um ecossistema. E os impactos vão além dessas comunidades.
Mas a falta de intervenção pública nas reconfigurações de territórios orquestradas por facções vai muito além de omissão. Por vezes, tem a mensagem clara de projeto político, quando construções irregulares tem autorizações do Estado. E quem se opõe a isso paga com a própria vida — caso de Marielle Franco, sumariamente executada por tentar frear o uso da máquina pública para o lucro com empreendimentos ilegais. Ou, mais ainda, com a flexibilização de leis e a proposição de legislações nocivas ao meio ambiente apenas para beneficiar o agronegócio.
Desastre ambientais x desastres naturais
Um desastre ambiental ou ecológico, é um evento catastrófico causado ao meio ambiente pela atividade humana. Isso o diferencia de um desastre natural, que ocorre sem a interferência de ninguém.
Segundo o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, 2023 foi o ano em que o Brasil mais enfrentou desastres naturais. Cerca de 1.900 cidades entraram em emergência por crises ambientais, mais de 500 mil pessoas foram desalojadas e quase 8 mil morreram. E os desastres não deram trégua em 2024. Em poucos meses, o país já enfrentou ondas de calor no Sudeste, com temperaturas passando dos 60 graus no Rio de Janeiro, e enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul de forma jamais vista na história brasileira.
A falta de planejamento e o afrouxamento das leis ambientais pelo governador Eduardo Leite no Rio Grande do Sul são, inclusive, exemplo de atividade humana que impactou diretamente na tragédia no estado. O chefe do executivo alterou em torno de 480 normas do Código Ambiental no estado, entre elas a lei que flexibiliza a construção de barragens e outros reservatórios de água em áreas de proteção permanente. A medida pode afetar o fluxo natural das águas e gerar cheias de rios e chuvas mais concentradas.
Igualmente, no Congresso Nacional grupos políticos trabalham incessantemente para aprovar projetos de lei e emendas capazes de causar danos irreversíveis ao meio ambiente. O “Pacote da Destruição”, como tem sido chamado, propõe retrocessos como a flexibilização do Código Florestal, a redução da reserva legal na Amazônia, dar anistia a desmatadores, esvaziamento do IBAMA, facilitação do garimpo, entre outras ações nocivas. Dos 513 deputados que compõem a Câmara, apenas Célia Xakriabá (Psol-MG) indicou verbas para a Política Nacional sobre Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, desde 2023.
Os desastres ambientais são resultados de décadas de negligência e de políticas destrutivas ao meio ambiente. Ter clareza disso é fundamental para identificar os responsáveis e cobrar ações efetivas à preservação e contra a devastação ambiental.
Wellerson Soares é coordenador de comunicação na Rede de Observatórios.*