Rede de Observatórios de Segurança

Ele não me viu com a roupa de escola, mãe?

location_on
event 17 de julho de 2023

Por Silvia Ramos*

Cinco anos separam as mortes de Marcos Vinícius, 14 anos, e Dijalma Azevedo, 11 anos, mas a história se repete. Ambos foram mortos a bala uniformizados a caminho da escola, durante operações policiais no Rio de Janeiro. 

De 2018 para cá, vivenciamos o dissabor – com um nó na garganta – de ver o futuro ameaçado pela desordem e pelo descontrole da segurança pública no estado. Mais uma vez estamos aqui para falar de crianças e adolescentes, em sua maioria negros e periféricos, que encontraram um triste fim no cano de um fuzil policial. 

Na época, Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius, mostrou o uniforme do filho manchado de sangue e contou que, antes de desfalecer, o menino fez a pergunta que ecoa até hoje: “Ele não me viu com a roupa de escola, mãe?”. A perplexidade do menino também foi a nossa, com sua morte e as demais na sequência. Em 2019, Ágatha aos 8 anos; em 2020, João Pedro aos 14 anos, e as primas Rebecca Beatriz e Emily Vitória, de 7 e 4 anos respectivamente. 

Todas essas vítimas denunciam o fato de agentes da lei não respeitarem o sagrado direito de crianças à cidade e de circularem livremente – e em segurança – a caminho da escola. Operações policiais têm impactado na educação e nas vidas de milhares de jovens no estado. Em fevereiro de 2022, no primeiro dia do ano letivo escolar, 27 unidades de ensino das redes municipal e estadual ficaram fechadas por incursões das polícias na Zona Oeste. Em abril deste ano, uma ação do BOPE no Complexo da Maré fechou 23 escolas, deixando quase nove mil alunos sem aulas

Da intervenção para cá, ações policiais se degradaram?

A morte de Marcos Vinícius em 2018 se seguiu a uma onda de indignação que obrigou o comando da intervenção a prometer a apuração do ocorrido. No caso recente com Dijalma, a PMERJ declarou que os policiais atiraram porque estavam respondendo a tiros durante uma operação de patrulha rotineira. O menino estava de mãos dadas com a mãe, às sete da manhã, ao lado de uma colega, também uniformizada, que escapou por pouco da bala policial

Em qualquer polícia civilizada, a reação da corporação deveria ser: recolher as armas, afastar imediatamente os policiais, enviar reforços para a apuração interna e transmitir à sociedade uma declaração de que os responsáveis serão identificados. A conduta também reafirmaria aos próprios agentes que não é possível cometer erros dessa natureza e seguir como se nada tivesse acontecido. No entanto, a primeira reação da PMERJ foi sustentar a versão dos policiais. 

Segundo Adjailma de Azevedo Costa, mãe de Dijalma, e algumas testemunhas, os agentes “entraram atirando”. Mesmo que a patrulha tivesse respondido a tiros de opositores, a pergunta é: isso justifica os disparos de modo a atingir moradores e principalmente crianças a caminho da escola? Existe algum fato policial para corroborar operações matando pessoas? Quem será responsabilizado pelo erro de autorizar a patrulha do 12º BPM (Niterói) naquele local e horário? Saberemos o responsável pelo tiro que matou Dijalma? 

A degradação de uma corporação policial não pode ser tão profunda que um erro como esse não produza mudanças e aponte os culpados, afastando-os e punindo-os. 

Com 1.300 mortes por ano, a sociedade fluminense se anestesiou?  

A reação civil e da mídia à morte do menino Dijalma tem sido visivelmente menor do que a indignação diante de outros fatos terríveis que envolveram crianças mortas em operações policiais nos últimos anos. Por quê? Seria pela distância de Maricá da capital? Ou o aumento exponencial de vítimas de ações policiais ano após ano afetou jornalistas e moradores, que passaram a aceitar esses efeitos como banais?  

Atualmente, contabilizamos décadas de incursões policiais sem resultado na redução do controle armado por grupos de traficantes ou milicianos. Pelo contrário, quanto mais operações letais, mais os criminosos se expandem e se enraízam. No passado, ações com tiros eram frequentes em favelas da capital. Agora chegaram a Maricá. 

Após 20 anos de políticas de confronto, entendemos que o modus operandi da segurança fluminense não mudará pela conscientização das próprias polícias, mas sim por controles externos como o STF e o governo federal e pela pressão da sociedade e das mídias. Por isso, no caso do Rio, o rebaixamento dos padrões policiais é quase tão perigoso como a banalização da letalidade por autoridades superiores e pela própria população. 

Silvia Ramos é coordenadora geral do CESeC e da Rede de Observatórios.*

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *