Eleições 2020: ainda é cedo para dizer que o pior está passando
Por Diego Francisco*
A sensação inicial após a votação do primeiro turno das eleições 2020 é de que deu pra respirar. A onda que se abateu sobre o país em 2018 não se repetiu da mesma forma e em diversas cidades do país e do Rio de Janeiro o espaço da extrema-direita, que tentou surfar no discurso de ódio e na militarização do Estado,diminuiu drasticamente. No entanto, o pleito foi extremamente violento em que assassinatos de candidatos e assessores/as deu a tônica em inúmeras partes do país.
A ampliação da presença de negros e negras nos espaços políticos de tomada de decisão parece ser uma chave acertada para monitorarmos as transformações do sistema político. No Rio de Janeiro, na primeira eleição municipal sem Marielle Franco, a expectativa de uma Câmara Municipal mais feminina e negra não se concretizou. Fato que em 2016 havia uma mulher negra e, a partir de 2021 teremos duas é uma tímida resposta que frustrou muitas expectativas. Não era esperado menos do que aconteceu em 2018, em que a resposta pareceu mais robusta.
O resultado que vimos neste 2020 não pode ser creditado à uma ausência de candidatas e candidatos, mas a uma enorme barreira institucional. Apesar de termos a primeira eleição com a regra de divisão do Fundo Eleitoral proporcional à participação racial, foi possível perceber que a lógica de sustentação das estratégias eleitorais permanece a mesma. Recursos alocados em figuras que projetam a mesma representação de sempre: homens brancos.
Foram eleições marcadas também pela diversidade e pela juventude com inúmeros eleitos pela primeira vez. Muitas mulheres e homens trans, jovens moradores de favela, mulheres negras e candidaturas coletivas que estrearam em 2020 alcançaram resultados expressivos nas urnas, contribuindo para uma virada significativa no processo eleitoral, fenômeno que já vem sendo observado desde 2016, pelo menos. Sem dúvida, os partidos e mesmo as câmaras vêm sendo oxigenadas com novas representações, de uma ponta à outra do espectro ideológico.
A multiplicação de cadeiras distribuídas aos partidos do campo progressista cresceu em todo o país mas foi tímida na capital fluminense onde, na medida em que alguns partidos do campo ganharam espaço com bancadas crescendo, outros perderam e com a soma de parlamentares dos partidos da esquerda (PSOL, PT e PDT) a Câmara terá apenas onze, dos 52 vereadores. O fato de que muitos partidos à esquerda não tiveram êxito em conquistar cadeiras deixa o resultado menos animador quando se vê que o próximo prefeito da cidade virá da direita ou da extrema-direita.
É importante destacar também que esta foi a campanha com maior número de mulheres e de mulheres negras concorrendo ao executivo municipal e que a maioria delas era representante do campo progressista. Fica o questionamento de quanto tempo ainda esperaremos para que tenhamos mulheres em um possível segundo turno no Rio ou, finalmente, na Prefeitura.
Em Niterói, Benny Briolly será a primeira mulher negra trans vereadora de uma cidade no Rio de Janeiro e foi eleita com votação expressiva. Chegando na Baixada Fluminense, há também um movimento interessante a ser observado com maior atenção. Inúmeras candidaturas alcançaram resultados expressivos nas urnas e conseguiram sobressair em cenários marcados pela política patrimonialista e, algumas vezes familiar, que costumava se revezar pleito após pleito. Nomes como Wesley Teixeira e Rose Cipriano em Caxias, que fizeram juntos mais de 8 mil votos, votação maior que muitos dos eleitos/as mas não conseguiram cadeiras, na mesma cidade aumentou a votação em candidatos do campo progressista mesmo que não suficientes para derrotar a máquina local.
Em Nilópolis, Saulo Benício, jovem negro, participante do movimento dos entregadores de aplicativos obteve expressiva votação em sua primeira candidatura e teve mais de mil votos. Em Belford Roxo também aumentou a votação nos partidos de esquerda em relação à 2016. Queimados também é um caso peculiar em que o candidato que se aliou ao discurso conservador fundamentalista, um pastor evangélico, do Solidariedade, ganhou a eleição deixando para trás a chapa apoiada pela máquina que governa a cidade desde 2008, do PSDB e a candidatura mais cara do pleito por lá, do PSD.
O processo finalizado no primeiro turno possibilita inúmeras análises pois foi repleto de novidades, nem todas positivas. Foi a eleição do Coronavírus, o que pode explicar a enorme abstenção nas urnas. Diminuiu o número de votantes, o que gerou um voto mais caro nesta primeira eleição municipal com Fundo Eleitoral Público. Considero que os resultados são capazes de nos deixar mais animados, mas ainda é cedo para dizer que o pior está passando.
*Pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania