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Guerra aos pobres, encarceramento em massa e coragem política

event 18 de maio de 2023

Por Thiago Lopes*

A luta de classes no Brasil tomou contornos de uma guerra contra os pobres. As vulnerabilidades sociais são vistas como problemas a serem resolvidos pelo sistema de justiça criminal, em vez de serem abordadas por meio de políticas sociais mais amplas. E a imposição dessa lógica tem construído um horizonte em que somente é possível enxergar violência, independentemente de onde se dirija o olhar.

O atual estado de guerra contra os pobres é complexo e abrange uma série de escolhas político-econômicas. Além disso, essa guerra tem se manifestado em discursos cotidianos e tem ganhado cada vez mais representantes que a defendem de forma aberta e sem pudores. Um exemplo disso é a discussão sobre a responsabilidade fiscal, que considera os gastos relacionados à proteção social como um problema que pode onerar as contas públicas e inibir o crescimento do país. 

Para evitar esse cenário, é necessário impor regras, criar um teto de gastos, limitar as políticas voltadas para a proteção social e criar um estado de privações máximas. Nos do dia a dia, esse fenômeno aparece nos discursos das pessoas, efeito do longo processo da guerra aos pobres. Vale ressaltar que a legitimação da violência não alcança a todos, é seletiva e se naturaliza por meio da desigualdade social. Além disso, é preciso destacar que essa guerra atende a interesses de terceiros e não se organiza no vazio.

Um de seus espaços sociais preferenciais têm sido os territórios periféricos dos centros urbanos do país, onde residem trabalhadores e trabalhadoras pobres, muitos deles pertencentes à população negra e em situação marginalizada em relação à cidadania. E vai além, alcançando comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhos e indígenas.

O encarceramento em massa é o efeito mais nefasto dessa marcha, uma verdadeira máquina de moer gente que destitui indivíduos de sua humanidade. Essa política é uma engrenagem punitiva da guerra aos pobres, em sua maioria jovens, negros e de baixa renda, e é a forma mais eficiente de produzir, em escala industrial, corpos matáveis, sem que isso recaia nos ombros dos responsáveis pelo ato de violência. Para essas pessoas, a lei é suspensa e o estado de exceção se torna a regra. Suas vidas são desvalorizadas, cabendo-lhes apenas o tratamento punitivo e de controle.

O endurecimento penal disseminou a experiência do cárcere. É quase impossível encontrar pessoas nas periferias do Brasil que não tenham histórias de algum familiar, vizinho ou pessoa próxima que já tenha passado pelo sistema carcerário. A política de encarceramento em massa teve como efeito a criação de uma ponte direta entre a rua e a prisão. Os dramas e as tramas que se desenrolam no sistema prisional chegam de forma viva nas periferias brasileiras. 

É preciso coragem política e pressionar o atual governo a desenvolver um projeto real para a segurança pública que crie condições reais para quebrar o ciclo macabro de violências estatais. Persistir no modelo do endurecimento penal é um grave erro que já demonstrou sua ineficácia. É urgente a construção de uma iniciativa que inclua a participação ativa da sociedade civil, em especial das comunidades periféricas.

Além disso, existe a necessidade de reconhecer que a solução para a crise da segurança pública não virá apenas de políticas públicas isoladas. É preciso abordar a raiz do problema, que é a desigualdade social e a exclusão econômica, para que as pessoas tenham acesso a empregos, educação e saúde de qualidade, e, assim, possam construir suas vidas de forma digna.

Thiago Lopes é pesquisador do Observatório do Maranhão*

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