Rede de Observatórios de Segurança

Julho das Pretas: mulheres negras transformam relações sociais

location_on
event 9 de julho de 2021

Luciene Santana*

A forma como as mulheres negras têm suas vidas atravessadas pelo racismo estrutural e diversas violências – assim como suas agendas de lutas – fica em evidência durante todo o mês de julho. No Julho das Pretas, celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha no dia 25 . Nesse mês, ressaltamos a importância da luta das mulheres enquanto um processo de transformação radical das relações sociais em sua totalidade. São diversas ações de empoderamento, enfrentamento da violência, do machismo, racismo, LGBTQI+ fobia.


Neste ano, vamos discorrer sobre os desafios enfrentados pelas mulheres negras no Brasil no contexto após um ano vivendo a pandemia de Covid 19. É preciso colocar no centro da análise a imbricação entre gênero, raça e classe. Portanto, buscamos um olhar “interseccional” para compreender a multiplicidade dessas categorias e a dinâmica de dominação.
Lembro que no Brasil, as mulheres negras já estavam inseridas em situação de vulnerabilidade antes mesmo da pandemia, mas enfrentamos agora um agravamento desse quadro. Segundo dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, cerca de 6,4 milhões de homens e mulheres negras perderam seus empregos, enquanto o número de pessoas brancas nessa circunstância somam cerca de 2,4 milhões. Somos os mais atingidos.
Ocupamos também ofícios realizados majoritariamente de maneira presencial, como por exemplo o trabalho doméstico e a informalidade, estamos mais expostas ao vírus – lembro que negros são os que mair morrem pelo coronavírus. Olhando para o perfil dessas trabalhadoras, podemos refletir o porquê desse trabalho se constituir como um espaço “invisível”, que pouco se fala, mas quando se fala emergem diversos conflitos.

O auxílio emergencial que deveria amenizar os problemas causados pelo desemprego e poucas possibilidades de renda, teve diversas dificuldades no cadastramento, acesso e posteriormente teve o seu valor inicial reduzido. O que impactou a renda de muitas mulheres negras, principalmente aquelas que são a única fonte de renda das suas famílias. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o percentual de domicílios brasileiros comandados por mulheres saltou de 25%, em 1995, para 45% em 2018 – uma tendência crescente.

No boletim A Dor e a Luta: números do feminicídio, da Rede de Observatórios da Segurança, vimos que o isolamento social agravou a situação de violência contra as mulheres, que passaram a ter mais tempo de convívio com o agressor e menos acesso as redes de proteção. Tendo a rede registrado em média cinco casos de feminicídios e violências contra mulheres por dia em 2020. A Rede monitora os casos que saem no jornal e o recorte racial geralmente só aparece quando as vítimas são brancas e na maior parte dos casos não temos essa informação na imprensa. Somos silenciadas até mesmo na morte. Por outro lado, de acordo com os dados da violência do G1, no primeiro semestre de 2020, 75% das mulheres assassinadas no primeiro semestre de 2020 no Brasil são negras – nesse dado falamos de casos de feminicídio e homicídios de mulheres.

Em termos gerais, entendo a partir desses indicadores que os dados refletem as desigualdades que perpassam a trajetória de vida das mulheres negras. Nós não temos nossas demandas acolhidas pelas instituições. A presença do racismo institucional impede nosso acesso em razão do desconhecimento, do preconceito e da discriminação racial. Tudo o que foi aqui dito reforça a importância do julho das pretas como estratégia de fortalecimento e organização para enfrentar estruturas construídas social e historicamente. Resistimos! Viva a mulher negra latino-americana e caribenha!

*Luciene Santana é pesquisadora do observatório da Bahia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *