Linchamento: a escolha irracional por justiça
Por Francine Ribeiro*
Um espírito rígido movido pelo senso de justiça popular tem levado pessoas comuns a práticas absurdas como a do linchamento. Não é novidade que nos últimos anos o cenário político instigou mais violência, a noção de inimigo se propagou no tecido social da sociedade e a falta de confiança nas instituições que regulam a sociedade se consolidou.
As motivações para justificar os linchamentos têm sido as mais variadas: seja para contenção de pequenos roubos ou furtos, seja por fakenews, ou pelo simples fato de condenarem determinada conduta alheia.
Ainda que possa parecer que a “justiça foi feita”, na verdade trata-se de ilusão e essas incursões populares revelam uma perda de civilidade, um retrocesso enquanto seres humanos do século 21. Vivemos – a trancos e barrancos – em um país democrático regido por leis, instituições de justiça e segurança, que podem ser questionadas em seu modus operandi, mas que existem para evitar que a máxima do “olho por olho, dente por dente” seja uma realidade.
A partir do monitoramento diário da Rede de Observatórios, foi constatado que São Paulo registrou nos últimos anos um aumento de casos de linchamento e de tentativa de linchamento. De 2020 para 2021 os números mais que dobraram e em 2022 a onda de violência se manteve. Mais recentemente, ao analisar o primeiro semestre de 2023 comparando ao mesmo período do ano passado, verificou-se o crescimento de 32%.
O mês de junho, destaque em registros em 2023, concentrou dois casos que chamaram atenção. O primeiro deles aconteceu com um homem brutalmente espancado por ter sido confundido com um estuprador enquanto levava a própria filha à escola, no município de Botucatu (SP). Ele foi questionado pelos agressores se estava seguindo a garota de 13 anos, os criminosos não acreditaram que ele fosse o pai, até que a esposa chegou ao local e confirmou o laço sanguíneo. A suposição quase o levou à morte.
A sorte não foi a mesma para outra vítima. Adalvan Rodrigues da Silva, 36 anos, foi espancado até a morte em São Carlos (SP). A vítima – conhecida por se envolver em brigas, teve seu fim após uma confusão de bar. Os suspeitos fugiram antes que a polícia chegasse ao local. A violência retroalimentada nesse caso revela uma face cruel da indisposição gratuita, da violência que gera violência. Por fim, do pouco valor da vida na medida em que as pessoas se reduzem à condição brutal, de guerra, da fragilidade de uma vida em que impera o “ele ou eu”.
Corrigir esses desvios na sociedade e retomar valores que prezem a harmonia social e o comprometimento com o comum são desafios presentes. O crescimento de casos indica uma facilidade de assimilação da raiva em vez da busca pela racionalidade diante de situações adversas.
Reconquistar a subjetividade da população de modo a convencê-la da vida em sociedade compreende dois movimentos: a presença efetiva do Estado como garantidor do bem comum – sem discriminação e excessos – e a perda da força de que a justiça paralela é o caminho, pois todos estão sujeitos a erros, inclusive quem fomenta linchamentos.
Francine Ribeiro é pesquisadora do Observatório de São Paulo.*