Linchamentos: a justiça com as próprias mãos não é a solução
Por Lila Xavier Luz, Marcela Castro Barbosa e Marcondes Brito da Costa
Recorrentes casos de linchamento no Piauí tem chamado atenção da população e acendido um sinal de alerta. Afinal, o que tem promovido grupos de pessoas a fazerem justiça com as próprias mãos?
Em outubro, moradores de Teresina reuniram-se e tomaram medidas drásticas para conter os avanços de uma onda de crimes na região. Um grupo de pessoas foi às ruas e abordou dois suspeitos de envolvimento em crimes de furto e roubo a casas e estabelecimentos comerciais. Em áudio compartilhado nas redes sociais, um morador que participou da ação afirmou: “arrancamos só umas três unhas de cada um, não adianta prender porque solta no mesmo dia”.
Segundo monitoramento da Rede de Observatórios, o Piauí já registrou 22 casos de linchamentos e tentativas de linchamentos de janeiro a setembro de 2023. Sabemos que o monitoramento capta apenas aquilo que é noticiado por veículos de comunicação, pois não há registro oficial de órgãos estatais sobre monitoramento do crime. Desse modo, as dificuldades para compreender o fenômeno são diversas e complexas, dada a ausência de referências. As autoridades policiais locais já têm sido alertadas para o perigo dessa prática e fazem as investigações para identificar as pessoas envolvidas nesses eventos violentos.
A história tem mostrado que os casos de linchamentos no Brasil não são novidade, mas o aumento desses acontecimento no Piauí – sua escalada ano a ano – suscita elementos para algumas reflexões: por que a prerrogativa do Estado de manutenção da ordem não tem sido respeitada pela população? Por que casos de linchamento tem se acumulado no Piauí? O que tem contribuído para a inversão dos papéis?
Foram registrados 259 casos de linchamento apenas em Teresina entre 2015 a 2019, de acordo com o livro Mídia policial e linchamentos: corpos negros entre a estigmatização e a violência, do advogado Lucas Maurilio Machado, que tomou como base os jornais locais.
É perceptível nas ações e no discurso da população uma necessidade de agir por contra própria para resolver um fato, pois o poder público já é visto com descrédito pela morosidade de sua atuação. A desordem estatal tem alimentado o sentimento de justiçamento popular, por meio de métodos punitivos com um grau de crueldade alarmante.
A resposta popular é uma espécie de mensagem aos criminosos e às instituições de que estão cansados de esperar um retorno efetivo na segurança e não obterem. Se há leis e instituições, por que elas não conseguem agir em tempo hábil para a resolução de crimes?
Não intervir efetivamente na segurança e propor políticas públicas que deem conta do problema da violência pode levar a caos e desordem. A permissividade com o justiçamento popular pode ser fatal. O Estado precisa intervir para impedir o apedrejamento em praça pública – às vezes literalmente – de suspeitos que comprovadamente cometeram um crime e de inocentes vítimas de fake news.
Esse cenário configura o Piauí como um dos estados que mais lincham no Brasil. A Secretaria de Segurança Pública acompanha a tônica desse cenário. Os linchamentos são uma representação, um sintoma de como as pessoas pouco confiam no Estado, trazendo para a esfera privada a resolução de uma questão que deve ser de tutela pública.