Rede de Observatórios de Segurança

Milícia e Jogo do Bicho – vale o escrito ou vale o dito?

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event 28 de novembro de 2023

Por Adyel Beatriz*

Novas páginas da história da segurança pública do Rio de Janeiro começaram a ser escritas. Em outubro, o estado viveu mais um episódio de confronto com a participação da milícia pelo domínio de regiões, principalmente na Zona Oeste da capital. Ataques deixaram mais de 30 ônibus totalmente queimados e interromperam a circulação de transportes públicos na região.

De acordo com o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, em um período de 16 anos, as narcomilícias quase quintuplicaram seus territórios e são hoje o maior grupo criminoso do estado. As áreas sob domínio de grupos paramilitares aumentaram 387,3% entre os anos de 2006 e 2021.

O crescimento da milícia e as alianças com facções acendem muitas questões sobre as dinâmicas do tráfico de drogas no estado. Mas o Rio de Janeiro tem um quê fantasioso, cômico, ilusório, trágico e nada romântico. Jogo feito. Nele, quem entra é jogo do bicho: uma prática enraizada na cultura carioca, que evoluiu de uma atividade simples para um negócio multimilionário. No entanto, essa indústria não está isolada das forças obscuras que moldam as complexidades urbanas.

O jogo bicho voltou ao centro das discussões após a estreia do documentário “Vale o Escrito – A Guerra do Jogo do Bicho”, do serviço de streaming Globoplay. Histórias de figuras importantes ao negócio são contadas na série. A maioria das personagens está envolvida em acusações de crimes de contravenção e assassinatos, como Capitão Guimarães e Bernardo Bello, apontado atualmente como um dos bicheiros mais poderosos.

Coordenador do Observatório de São Paulo,  Bruno Paes Manso diz que “a influência das milícias no governo e a capacidade dos milicianos em garantir votos para parlamentares e influenciar a política do Rio e as instituições é muito maior que a de grandes facções”. Vislumbrando esse poder, o  jogo do bicho, então, entendeu ser preciso se aproximar desses grupos para dar continuidade aos negócios.

O crime vai encontrando nas contradições sociais formas de se aproximar da cultura popular. Quem mata e tortura viraliza nas redes em forma de meme. O ar quase novelesco da história do crime no Rio é irreverente, fala mansamente e age como quem toma cerveja numa esquina em um bairro suburbano. A figura do bicheiro é muito mais simpática que de um miliciano. Muitos deles estão envolvidos diretamente na direção de grandes escolas de samba e no fortalecimento de suas comunidades.

A verdadeira face do jogo, e muito menos romântica, é exposta pela guerra de uma cúpula rachada e disputas territoriais. Nos novos capítulos, quatro bairros do Rio de Janeiro foram tomados pela guerra de bicheiros em abril. Catumbi, Tijuca, Andaraí e Vila Isabel estiveram no centro da briga por pontos do jogo, deixando pelo menos uma pessoa morta e cinco feridas.

Após tentativa de assassinato de seu filho, o contraventor confesso Luiz Cabral procurou uma delegacia para relatar os acontecimentos do conflito relacionado ao jogo do bicho.

De acordo com Luiz Cabral, de um lado da disputa encontram-se Adilson Oliveira, mais conhecido como Adilsinho da Grande Rio, Flávio Santos, que ocupa a posição de presidente na escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, além de Rogério de Andrade e Vinícius Drumond (filho de Luizinho Drumond). Todos citados como envolvidos na disputa de poder do jogo.

No documentário recente, o dito é que a responsabilidade é quase sempre do outro. Milicianos e bicheiros compartilham muitos aspectos ideológicos, enquanto a trama se dá com a presença de membros de grupos paramilitares, o que intensifica a complexidade dessa interligação. Além da dimensão econômica, a relação é ambiciosamente territorial, levando muitas milícias a ampliarem suas atividades para o controle de diferentes setores da sociedade, entre os quais se destaca o jogo do bicho.

Denunciado por bicheiros como “prestador de serviço”, o miliciano Adriano da Nóbrega, morto em 2020, durante uma operação policial na cidade de Esplanada, na Bahia, ilustra como as duas faces do crime organizado se acompanham sempre pela disputa econômica. Ele foi apontado como uma figura importante em atividades ilícitas relacionadas ao jogo do bicho no Rio de Janeiro. Sua conexão com atividades criminosas contribuiu para tornar-se figura notória e  associar-se ao submundo do crime. 

Adriano ficou conhecido pelo envolvimento em atividades criminosas e teve o nome ligado a investigações relacionadas a milícias no Rio de Janeiro. Ele também foi associado ao caso da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. 

A milícia não apenas busca lucros diretos com o bicho, mas também impõe autoridade sobre os operadores locais. Esse controle muitas vezes leva a uma exploração exacerbada dos recursos e ações violentas, prejudicando também as comunidades nas quais operam. Essa vinculação não é apenas uma questão criminal, mas também uma ameaça à estabilidade social. A exploração desenfreada prejudica a integridade das comunidades, contribuindo para um ciclo vicioso de corrupção e violência.

Adyel Beatriz é assistente de comunicação da Rede de Observatórios*

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