Minas da Baixada: “nossas pautas são outras”
Juliana Gonçalves**
No dia da Baixada Fluminense, 30 de abril, venho contar que historicamente a Baixada é cruel, mas que também é um lugar de resistências coletivas e que as mulheres estão à frente na busca por direitos humanos na região. São mães, tias, filhas, amigas – em sua maioria mulheres negras – que coletivamente criam redes de apoio em busca de soluções concretas para o deserto de políticas públicas que encaramos no dia a dia. Eu chamo isso de feminismo periférico e é isso que buscamos pôr em prática no Minas da Baixada – coletivo feminista que integro desde 2016 – ano da fundação.
Nesses cinco anos de coletivo, muitas meninas e mulheres passaram pelo Minas. Hoje, somos 13 mulheres, na casa dos trinta anos, com algumas mais novas e outras um pouco mais velhas. Nós atuamos em educação, cultura e política pública. Quando nos era permitido, levávamos para as praças, escolas, eventos, rodas de conversa o debate sobre o que é ser mulher na Baixada Fluminense ou o que é ser morador da Baixada. Durante a pandemia, criamos o Podcast Minas da Baixada para ampliar esse papo. A ideia é que exista uma tomada de consciência para que todos possam exercer sua cidadania de forma plena. Esse trabalho não é feito somente por nós, existem outros coletivos de mulheres que atuam na região, com veteranas e mais novas e juntas construímos uma rede de mulheres defensoras de direitos humanos na Baixada Fluminense. Nos apoiamos para viver e não somente sobreviver no contexto necropolítico em que estamos inseridas – onde o estado escolhe quem morre e quem vive ou quem pode ou não ter seus direitos violados.
Costumamos lembrar que nossas pautas não são as mesmas das feministas da Zona Sul do Rio de Janeiro – não diminuindo a importância das mesmas. Buscamos ruas iluminadas para diminuir os riscos de estupros e assaltos nos momentos em que saímos para estudar ou trabalhar, buscamos transporte público de qualidade, queremos nossos pais, filhos e irmãos vivos, atendimento médico, enfrentamento a violência doméstica e saneamento básico. Os municípios da Baixada estão entre os piores em esgotamento sanitário no ranking da rede trata Brasil. Nós, mulheres, por termos o papel de cuidadoras, acabamos tendo um contato maior com água contaminada, rejeitos e somos responsáveis pelos doentes, muitas vezes com falta de água nas torneiras. Situação que coloca as mulheres como as maiores vítimas de doenças ocasionadas por conta da precariedade do saneamento na Baixada – sobretudo as mulheres negras. Portanto, essa é uma pauta que escancara o racismo ambiental do estado e é muito cara para nós.
Essas questões não diferem das que as nossas mais velhas encaravam nos anos 1980 durante o movimento constituinte. Em 1987, durante o encontro de mulheres da Baixada Fluminense, as quase 700 mulheres presentes debateram sobre esses mesmos temas. Foi a partir dessa união que conseguimos a instalação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher em Nova Iguaçu em 1990. Sem transparência de dados, foi o movimento de mulheres quem levantou os registros de ocorrência e entregou os números de violência contra a mulher ao legislativo para que se comprovasse os altos índices da região que justificariam a DEAM que nos atende até hoje. Essa história pode ser ouvida no podcast Essas Mulheres Iguaçuanas.
Hoje, nós somos pressionadas com os efeitos do retrocesso, da pandemia, da crise econômica e estamos reinventando nossas formas de lutas. Uma das nossas ações durante a pandemia, por exemplo, foi o “Empodera Baixada” que deu visibilidade para empreendedoras locais e iniciou uma rede de economia colaborativa – muitas estavam sem trabalho fixo por conta da quarentena. Ou seja, o contexto pode até mudar, mas de certo o trabalho continua sendo feito coletivamente para alcançarmos o bem-viver.
** Juliana Gonçalves é jornalista, pesquisadora, cofundadora da Firma Preta, coordenadora de comunicação da Rede de Observatórios e membra do coletivo Minas da Baixada.