O que o SUS não vê, pessoas trans e travesti sentem
Por Matheus Lima e Wellerson Soares*
No país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, formas silenciosas de apagamento têm passado ao largo das discussões de proteção à comunidade, que se vê outra vez como vítima de ataques à sua existência – dessa vez em colunas de grandes jornais assinadas por escritoras famosas. A afirmação “Nós, mulheres, não somos apenas pessoas que menstruam” de Djamila Ribeiro, legitima e não discute o precário atendimento e estrutura no sistema de saúde para pessoas trans.
Os avanços na política de acolhimento da população trans caminham a passos lentos. Mesmo com a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), 2.265/2019, publicada em janeiro de 2020, que atualiza as regras para o atendimento médico, suas necessidades ainda não são atendidas de forma integral, impossibilitando tratamentos necessários a doenças mais triviais, agravando quadros que poderiam ser facilmente reversíveis.
Além das dificuldades burocráticas, a falta de treinamento adequado para atender pessoas trans no sistema de saúde é um dificultador. Para homens trans e pessoas transmasculinas, por exemplo, o preconceito e a falta de cuidado especializado cria um entrave em possíveis tratamentos. Consultas ginecológicas, que deveriam ser rotineiras para pessoas que menstruam, já se mostram hostis quando é recusado o uso do nome social do paciente ou até mesmo o atendimento.
Outro problema é a falta de informação, como a necessidade de acompanhamento durante a transição hormonal e a possibilidade de congelamento de óvulos – caso exista a vontade de gestar, caso de Nathan Victoriano, que contou em entrevista ao site Drauzio Varella. Ele precisou passar por uma histerectomia: “Eu tive que escolher naquela hora. Não pude me preparar, parar para pensar: ‘Não, calma aí, eu quero congelar meus óvulos’. Não me deram essa opção. Tiraram a paternidade de mim por falta de apoio e suporte”.
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), existem apenas cinco unidades hospitalares que fazem a cirurgia de transgenitalização no Brasil pelo SUS, e apenas três fazem atendimento de acompanhamento preventivo. Com isso, segundo dados publicados pela Antra, até 2017 a expectativa de vida da população transgênero era de 35 anos, enquanto a população em geral era de 76 anos.
Para a pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, Dália Celeste, a falta de informação e de disponibilidade dos serviços perpetuam preconceitos contra a população e impedem o acesso até mesmo a necessidades básicas de saúde.
“O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com políticas direcionadas à população trans e travestis, mas ainda existe uma grande discriminação nesse sistema que faz parte da transfobia estrutural, o que repercute na precarização desse serviço, e assim, colocando essa população novamente na vulnerabilidade e desumanização”, afirmou Dália.
Mesmo com a inclusão do processo transexualizador no SUS há mais de uma década (2008), que inclui cirurgia, hormonioterapia, entre outros procedimentos, a população ainda enfrenta dificuldades no atendimento. Acompanhamentos que deveriam durar dois anos se estendem para períodos indefinidos por falta de encaminhamentos. Além disso, mesmo com a assistência da hormonização implementada por lei, os principais medicamentos utilizados no tratamento não são fornecidos gratuitamente aos pacientes.
Por mais que o atendimento nos SUS seja obrigatório, a abordagem com pessoas transexuais e travestis precisa ser específica, entendendo que tratamentos psicológicos e hormonais são fundamentais para garantir sua existência e qualidade de vida.
*Matheus Lima é estagiário de comunicação da Rede de Observatórios
*Wellerson Soares é jornalista na Rede de Observatórios.