Ondas de calor no Brasil: desigualdade e violência pela perspectiva do clima
Por Adyel Beatriz*
Brasileiros experienciam ondas de calor que assolam o país de maneira sofrível e preocupante. As causas e efeitos são diversos. Bairros do Rio de Janeiro e São Paulo sofrem com a constante falta de energia elétrica e água, fora o iminente risco de alagamentos e deslizamentos em áreas de risco.
Moradores do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, reclamam da falta de luz há 19 dias. No subúrbio carioca, mesma região em que a atenção da gestão pública e privada esteve voltada ao show da cantora norte-americana Taylor Swift, houve relatos de pessoas há mais de 26 dias sem água.
No estado do Pará, ao menos 20 municípios tiveram reconhecimento federal de situação de emergência por causa da estiagem e da seca na Ilha do Marajó. A baixa de rios ameaça também a navegabilidade. Manaus vive há semanas embaixo de fumaça devido às queimadas constantes na Região Amazônica.
A distribuição desigual dos ônus e impactos das mudanças climáticas revela uma injustiça. Enquanto os países desenvolvidos historicamente contribuíram significativamente para as emissões de gases de efeito estufa, são as nações mais pobres que enfrentam desproporcionalmente os impactos devastadores de eventos climáticos, como o El Niño.
Territórios vulneráveis sofrem com o descaso da gestão pública e de políticas que minimizem os efeitos do calor extremo. Uma mistura de fatores socioeconômicos, ambientais e culturais, exacerbado por questões como falta de políticas de habitação, planejamento urbano, distribuição de renda e acesso à saúde e saneamento básico.
Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) mostrou que cerca de 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas estão altamente expostas à mudança do clima. O estudo evidenciou a associação direta entre subdesenvolvimento e alta vulnerabilidade a riscos climáticos. Entre 2010 e 2020, a mortalidade humana por inundações, secas e tempestades, por exemplo, foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis, em comparação com áreas de vulnerabilidade muito baixa.
De acordo com o IPCC, os países em desenvolvimento, que contribuem menos para as emissões globais, são os mais vulneráveis aos efeitos adversos do clima, como eventos climáticos extremos, elevação do nível do mar e alterações nos padrões de precipitação. O relatório de Avaliação Global do IPCC de 2022 destaca que as áreas de baixa renda são mais propensas a enfrentar a insegurança alimentar, aumento da escassez de água e ameaças à saúde devido às mudanças climáticas.
Inegavelmente, comunidades mais pobres são as mais afetadas, enfrentando a degradação ambiental, perda de meios de subsistência e deslocamento forçado. Trabalhadores que precisam se locomover com transporte sem refrigeração adequada. Trabalhadores em home office sem estrutura adequada para trabalhar adequadamente. Enquanto isso, bairros elitizados têm recursos e investimentos públicos e privados para se adaptar melhor aos impactos.
Nas últimas semanas, o Brasil assistiu a uma mãe que precisou quebrar a janela de ônibus sem ar-condicionado após o filho passar mal no Rio, num dia de sensação térmica de 55,6 graus. Em São Paulo, uma criança de dois anos foi encontrada morta após ser esquecida na van escolar.
Os efeitos das mudanças climáticas têm um aspecto também colonialista. Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Txai Suruí escreveu em artigo: “Quando eu me encontro com parentes sem suas terras originárias, sinto o colonialismo em seus pés. Quando o cheiro da Amazônia queimando invade meu dia, eu reconheço o colonialismo em meu nariz. Quando eu choro o assassinato dos meus companheiros defensores da floresta, eu vivencio o colonialismo em meus olhos”.
A injustiça climática é uma realidade urgente, que exige ação imediata. Somente através de um compromisso da agenda pública e social, pode-se superar os desafios impostos pelas desigualdades e violências que a lógica do colonialismo ambiental impera.
Crise climática e violência de gênero
Com o agravamento da degradação ambiental, a crise econômica cresce. Gerando escassez e violência para grupos marginalizados. De modo que as consequências das mudanças climáticas intensificam as desigualdades e vulnerabilidades da sociedade, a partir das quais as mulheres estão inseridas.
A violência baseada em gênero inclui violência doméstica, agressão sexual e estupro, prostituição forçada, casamento forçado e casamento infantil, bem como outras formas de exploração das mulheres. Áreas onde o ambiente natural está sob estresse tem ligação entre a violência baseada no gênero e crimes ambientais.
Segundo o IPCC, 72% das pessoas que vivem em extrema pobreza e estão mais vulneráveis a desastres ambientais no mundo são mulheres. O relatório “O Estado das Mulheres nos Sistemas Agroalimentares”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, em inglês), mostra que, em média, homens trabalhadores recebem salários maiores que as mulheres.
Esse cenário aponta que as mulheres estão em desvantagem, portanto são vulneráveis à exploração e violência de gênero. Quando apertam as tensões adicionais causadas pelas crises climáticas, o risco é duplicado.
Adyel Beatriz é assistente de comunicação da Rede de Observatórios*