Rede de Observatórios de Segurança

Operação policial não é a ordem natural das coisas

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event 14 de maio de 2024

Wellerson Soares*

É madrugada. Dona Maria, merendeira, desce pela rua Teixeira Ribeiro na esperança de chegar à passarela 9 da Av. Brasil e pegar o ônibus 355 (Madureira x Tiradentes) saindo. Seu objetivo é chegar no Colégio Santo Inácio, em Botafogo. Na encruzilhada com a Tancredo Neves, o silêncio se rompe, o latido dos cães anuncia e os fogos de artifício seguidos dos primeiros disparos confirmam a 12ª operação policial no conjunto de favelas da Maré em menos de cinco meses de 2024. 

A cena tem sido frequente aos mais de 140 mil moradores da Maré. Se tem operação, tem o silêncio das escolas fechadas, atendimentos de saúde cancelados, bala perdida, mortes, violação de direitos, injustiças. Os farelos de um sonho são os resquícios do que antes era um carro conquistado com muito suor e agora está crivado de balas, ou a obra para dar um tapa no quartinho com as marcas do confronto nas paredes. 

Dessa vez, foram 37 escolas fechadas pela operação, 900 alunos da rede municipal sem aulas, quatro unidades de saúde da região sem atendimento, dois mortos e outras pessoas feridas. E mais uma ação policial de grandes proporções, com a presença do Batalhão de Operações Especiais (Bope), para frear o crime organizado, mostra o equívoco do uso do dinheiro público em ações que atestam a falta de inteligência das polícias no estado e de quem é responsável por elas.

O “saldo positivo” compartilhado pela Polícia Militar foi a apreensão de um fuzil, duas pistolas, um simulacro de pistola e algumas drogas. Se a intenção era mobilizar tamanho contingente policial para afetar eficientemente o crime em geral, a perspectiva otimista da PM parece tentar reescrever na marra o conceito de positivo e, mais ainda, naturalizar, com o excesso de operações, a cultura do confronto. E essa dinâmica desgastante tem afetado tudo, de moradores a policiais, menos o crime organizado e suas lideranças. 

Segundo o Instituto Fogo Cruzado, somente em abril foram 201 tiroteios/disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Rio, sendo 32% (65 eventos) em decorrência de ações e operações policiais, resultando em 57 pessoas baleadas: 21 morreram e 36 ficaram feridas. A Zona Norte, onde está localizado o Complexo da Maré, concentrou a maioria dos eventos, com 82 tiroteios, 20 mortos e 26 feridos.

Por que sucessivas operações policiais não são efetivas?

São anos de governos no estado fazendo a opção política pela guerra às drogas e confronto armado direto como estratégia de controle dos territórios. No entanto, o crime organizado continua se articulando, fortalecendo e aumentando sua influência no mapa do Rio. Segundo a versão mais recente do Mapa dos Grupos Armados, apresentada pelo Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismo (Geni-UFF), o domínio dessas organizações dobrou em quase duas décadas. Em 2008, estavam presentes em 9% da Região Metropolitana. Atualmente, ocupam 18%. Somente em 2023, segundo o monitoramento da Rede de Observatórios, foram 4.196 ações de policiamento no estado, 134 agentes vitimados, e tudo isso para quê? Você se sente mais seguro?

A presença ostensiva de policiamento no território e as sucessivas operações precisam ser repensadas. Tentam criar a sensação de asfixia do crime organizado com essa ação, na verdade, está gerando danos incalculáveis — e irreparáveis — a moradores e a banalização de sua própria imagem/função em relação a grupos armados, que já não tem nenhum tipo de inibição diante de uma viatura policial.

Wellerson Soares é coordenador de comunicação da Rede de Observatórios.*

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