Rede de Observatórios de Segurança

Pele Alvo: a cada 24 horas, sete pessoas foram mortas

event 7 de novembro de 2024
  • Em 2023, agentes de segurança do estado mataram 4.025 pessoas, das quais 2.782 eram negras. Os dados ainda revelam que a polícia matou 243 crianças e adolescentes de 12 a 17 anos;
  • Amazonas passa a integrar a lista de estados monitorados pela Rede de Observatórios. Os dados de 2023 revelam que 92,6% das pessoas mortas decorrentes de intervenção policial no estado eram negras; 69,5% das vítimas tinham entre 12 e 29 anos;
  • A Bahia mantém a polícia mais letal, com 1.702 mortes provocadas por agentes do estado — o segundo maior número já registrado desde 2019 dentre todos os estados monitorados;
  • No Ceará, o número de negros vitimados pela letalidade policial foi oito vezes maior do que de brancos;
  • Maranhão fornece pela primeira vez dados de raça e cor das vítimas da letalidade provocada pela polícia. Os negros representam 80,0% dos casos que continham essa informação e jovens de 12 a 29 anos totalizam 54,9% das vítimas;
  • O Pará reduziu o número de mortos por agentes de segurança, mas, ao mesmo tempo, aumentou em 16% o número de vítimas negras de um ano para o outro, reafirmando a cor do alvo principal da violência policial;
  • Pernambuco registra aumento de 28,6% no número de mortes provocadas pela polícia e atinge seu maior índice, desde 2019;
  • No Piauí, 74,1% das vítimas eram negras e 48,1% tinham de 12 a 29 anos;
  • Pela primeira vez, o Rio de Janeiro apresentou menos de 1 mil mortes, mas ainda registra a morte de uma pessoa negra a cada 13 horas;
  • Em São Paulo, o número de mortes provocadas pela polícia avançou 21,7%, sendo negras 66,3% das vítimas.

 

Em 2023, pelo menos sete pessoas negras foram mortas pela polícia a cada dia nos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança. Em sua quinta edição, o boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão evidencia a norma da letalidade da ação policial. Ao todo, foram 4.025 vítimas. Destas, em 3.169 casos foram disponibilizados os dados de raça e cor, sendo que 2.782 (87,8%) dos mortos eram pessoas negras. Os números foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às Secretarias de Segurança Pública e órgãos correlatos, de nove estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

Desde 2020, quando foi apresentado o primeiro Boletim pela Rede de Observatórios, o padrão das pessoas mortas por agentes de segurança estaduais se mantém, sendo a população jovem negra a grande maioria das vítimas. “Ano após ano, vemos a reafirmação de que a violência da polícia tem cor, idade e endereço. São milhares de jovens negros, muitos que nem chegaram a atingir a maioridade, com suas vidas ceifadas sob a justificativa de repressão ao tráfico de drogas. Não é aceitável nem justificável a morte de uma pessoa negra a cada quatro horas pelas mãos de agentes de uma instituição que deveria zelar pela vida. Nosso objetivo ao ressaltar esses dados é denunciar a urgência de um debate público acerca do racismo na segurança e incentivar o desenvolvimento de políticas públicas que mudem o rumo desta realidade”, diz a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios.

Nesta edição do boletim Pele Alvo, que será divulgado no dia 7 de novembro, pela primeira vez todos os estados monitorados responderam às solicitações via LAI no prazo determinado pela legislação. Destaca-se o fato de, também pela primeira vez, desde 2021 quando passou a integrar o estudo, o Maranhão registrar essa informação das vítimas, ainda que em apenas 32,3% dos casos. 

A falta desses dados ainda é muito alta. O Ceará teve uma leve melhora, mas 63,9% das vítimas não têm raça e cor reconhecidas; no Amazonas, em seu primeiro ano de monitoramento, esses são 54,2% dos casos; no Pará, os não informados representam 52,3% do total. 

Ao todo, são 856 vítimas sem registro de dados de raça e cor nos nove estados que fazem parte do boletim. A transparência é fundamental para uma análise qualificada da realidade a fim de que o poder público possa direcionar seus esforços para uma sociedade verdadeiramente segura para todos. 

Os dados disponíveis também revelam que a juventude é a parcela da população mais vitimada pela letalidade gerada por ação policial — com a faixa etária de 18 a 29 anos concentrando a maior quantidade de casos. No Ceará, por exemplo, eles representam 69,4% do total de vítimas. A vulnerabilidade da juventude negra perante a violência de agentes de segurança, durante ações policiais e confrontos diretos, é ainda mais evidenciada com outro dado alarmante: entre os nove estados analisados, 243 dos mortos por policiais eram crianças e adolescentes de 12 a 17 anos.

Diante de um cenário tão adverso à juventude negra, movimentos sociais de favela surgem como espaços de resistência e acolhimento para este público. São organizações compostas pelo perfil mais vitimado pela polícia, que encontra na cultura, no esporte e no lazer alternativas para enfrentar as vulnerabilidades e promover dignidade e bem viver em comunidades violentadas. 

É ainda preciso chamar atenção para vítimas de práticas violentas que não estão representadas nestes dados, como a menina Eloah Passos, de apenas cinco anos. Ela foi morta em casa por um tiro que partiu da arma de um agente de segurança em uma resposta desproporcional a um protesto de moradores do Morro do Dendê, na Ilha do Governador (RJ). Episódios como esse são frequentes e constituem mais uma evidência do padrão de comportamento agressivos das polícias.   

É importante observar que 2023 foi o primeiro ano de mandato de novos governadores estaduais. As informações e os contextos analisados pelos pesquisadores da Rede de Observatórios apontam alguns novos caminhos adotados, mas ainda sem ter atenuado as condições adversas a que os negros são submetidos pelas forças policiais e políticas de segurança. 

No Amazonas foi notada redução de 40,4% no número de mortes e mudança em sua distribuição territorial: a maioria dos casos ocorreu no interior do estado. Mas na Bahia o problema segue em uma crescente exponencial, atingindo seu maior índice desde 2019, com registro de três vítimas negras por dia em 2023. Pernambuco foi o estado que registrou o maior aumento no número de mortos, com 28,6% mais casos que em 2022. Já São Paulo quebrou o histórico de redução e aumentou em 21,7% os óbitos provocados pela polícia. 

Maranhão, Piauí e Rio de Janeiro se destacaram pela redução —  32,6%, 30,8% e 34,5%, pela ordem — de vítimas em relação ao ano anterior. No Ceará e no Pará, apesar de os dados gerais registrarem leves quedas de 3,3% e 16,0% respectivamente, o número de vítimas negras aumentou, comprovando claramente o perfil do alvo de ações violentas da polícia.

“Mais do que mostrar números, aumentos e reduções, este relatório deixa evidente  como as políticas atuais de segurança adotadas nos estados tiram vidas, traumatizam famílias e interrompem histórias. É importante reconhecer que algumas conquistas foram alcançadas, mas nem de longe suavizam o comportamento racista de agentes de segurança”, comenta Silvia Ramos.  

Nove estados brasileiros mostram a cor da pele alvo em ações policiais 

Esta é a evolução histórica, desde 2019, de óbitos provocados por policiais em cada unidade federativa analisada: 

Série histórica dos estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança da amostra; apenas na Bahia o número de mortes aumentou constantemente. (Fonte: Rede de Observatórios)

Amazonas

O Amazonas se junta ao Pará e passa a fazer parte dos estados da região Norte monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança. Em seu primeiro ano de análise, os dados mostram uma mudança na distribuição territorial da letalidade provocada pela polícia. Em 2022, a capital concentrava 61,6% dos casos; no ano seguinte, 54,2% das vítimas estavam nos municípios do interior, com destaque para Rio Preto da Eva, cidade que tem menos de 1% da população amazonense, mas acumula 15,3% dos óbitos. E, seguindo o padrão que o boletim evidencia em cada região, 92,6% das pessoas mortas decorrentes de intervenção do Estado eram negras, desconsiderando os casos não informados, sendo a juventude a parcela da população mais afetada, com 69,5% das vítimas tendo entre 12 e 29 anos. 

Bahia 

Bahia seguiu a tendência dos anos anteriores e registrou aumento no número de mortes provocadas por agentes do estado, chegando a 1.702 vítimas — único estado entre os monitorados a ultrapassar a marca de 1 mil casos em 2023. A população negra representou 94,6% do total, com uma vítima a cada sete horas. A polícia baiana é a que mais mata, sendo responsável por quase a metade dos casos (47,5%) de pessoas negras mortas em ações policiais de todos os nove estados. A juventude também faz parte do perfil mais vitimado: 62,0% dos mortos tinham entre 18 e 29 anos e 102 jovens de 12 a 17 anos foram mortos por agentes de segurança. 

Ceará

Mesmo melhorando a qualidade dos dados, o estado deixou de informar raça e cor de 63,9% das 147 vítimas de 2023. O novo governo poderia se destacar por uma leve redução no número de mortes provocadas pela polícia em relação a 2022, mas o que chama a atenção é que, apesar desse cenário, aumentou em 27,0% o número de registros de pessoas negras mortas, representando 88,7% dos casos que continham a informação racial. 

Os dados também revelam que o descaso com a juventude negra parece fazer parte do plano de segurança do governo, visto que o número de negros mortos  pela ação policial foi oito vezes maior do que de brancos. Mais: os jovens de 12 a 29 anos são a parcela mais atingida, representando 80% das vítimas. 

Maranhão 

Pela primeira vez, o Maranhão forneceu dados de raça e cor das vítimas da letalidade causada pela polícia, um avanço importante no monitoramento de práticas policiais. Mas os casos não informados ainda são a grande maioria, sendo 67,7% das vezes, ou seja 5 a cada 7 vítimas não têm o perfil racial reconhecido. Considerando apenas os casos informados, eram negras 80,0% das vítimas em decorrência de intervenção do estado e 54,8% tinham entre 12 e 29 anos. As ações violentas de agentes de segurança podem ser percebidas por todo o estado, com 88,7% das mortes distribuídas entre 36 municípios.

Pará

Em seu segundo ano de monitoramento pela Rede de Observatórios, o Pará registrou  queda de 16,0% no número de mortes provocadas pela polícia, mas segue como a terceira unidade federativa com maior número de óbitos. Se o número total caiu, subiu o número de vítimas negras, de 200, em 2022, para 232, no ano passado, reafirmando o perfil alvo das intervenções por agentes de segurança. Em 2023, considerando os casos com raça e cor informados, 91,7% das vítimas eram negras. O Pará também informa em sua base de dados a escolaridade das vítimas: 59,8% delas tinham baixa escolaridade, ou seja, apenas o ensino fundamental completo ou incompleto. 

Pernambuco 

Entre os estados monitorados para o boletim Pele Alvo, Pernambuco foi o que registrou o maior aumento no número de mortes, com 28,6% mais  vítimas que em 2022. Além disso, o número de pessoas negras mortas pela polícia aumentou 41,0% de um ano para o outro. Ao todo, foram 117 óbitos registrados, o maior número desde 2019, sendo negras 95,7% das vítimas. Apenas em Recife quase dobrou o número de mortes provocada por agentes de segurança e a juventude segue sendo a mais alvejada, tendo apenas entre 12 e 29 anos a maior parcela de casos, 70,9%.

Piauí 

Piauí apresentou redução de 30,7% nas mortes, o menor número da sua série histórica, mas a maioria das vítimas ainda é negra, representando 74,1% casos — este é o único estado que forneceu 100% das informações de raça e cor. Ao todo, foram 27 mortes registradas, sendo que 48,1% tinham entre 12 e 29 anos. Teresina mantém maior efetivo policial e viaturas, resultando em mais confrontos diretos: só na capital ocorreram 51,8% dos casos de óbitos. O estado ainda se destaca pelos movimentos de resistência organizados pela mesma juventude ameaçada, que procura encontrar nas esferas cultural, artística, política, no esporte, lazer, nas relações e nas conquistas cotidianas alternativas de sobrevivência.   

Rio de Janeiro

Pela primeira vez, em cinco edições do Pele Alvo, o Rio de Janeiro fechou o ano abaixo dos 1 mil óbitos. Mesmo assim, é o segundo estado que mais registrou mortes provocadas pela violenta força policial. Desde 2019, o Rio reduziu em 52% o número de vítimas, mas em 2023 ainda foram 871 vidas interrompidas por intervenção de agentes de segurança, sendo negras 86,9% das vítimas, ou seja, um caso a cada 13 horas. Com tiroteios e ações policiais violentas noticiadas constantemente, o estado se destaca por uma política de segurança ineficaz, resultando em 403 jovens de 12 a 29 anos mortos em ações policiais. A capital do estado e a cidade de Duque de Caxias foram as que mais registraram esse tipo de ocorrência, com 376 e 104 casos respectivamente.    

São Paulo

As ações do atual governo, que iniciou o mandato em 2023, provocaram instabilidade  no cenário policial de São Paulo com a militarização da Secretaria de Segurança Pública, resultando em aumento de 21,7% no número de mortes causadas pela polícia. Entre as novas condutas, está a redução de investimento em programas de prevenção, incluindo as câmeras corporais. O estado interrompeu seu histórico de redução no número de óbitos e registrou no ano passado 510 casos, sendo negras 66,3% das vítimas e 52,3% com faixa etária entre 12 e 29 anos. A capital concentra o maior número de óbitos, com 34,5% das mortes, mas as cidades litorâneas também chamam a atenção pelo aumento no número de casos. Em 2022, por exemplo, o Guarujá não estava entre as cinco cidades paulistas com maior número de mortes; em 2023, a cidade apareceu apenas atrás da capital, com 32 casos, reflexo das operações policiais, marcadas pela retaliação, que foram deflagradas nesse ano.

Leia o relatório aqui.

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