Qual o legado do novo Pronasci para o Nordeste?
Por Ricardo Moura*
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, está percorrendo os estados para lançar o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci II), que ressurgiu com foco no enfrentamento à violência contra a mulher e na redução dos índices de feminicídio. A iniciativa prevê a entrega de viaturas para as patrulhas Maria da Penha e a construção de 40 Casas da Mulher Brasileira, espaço que serve de assistência às vítimas de violência doméstica.
Entre uma viagem de inauguração e outra, o ministro tem uma oportunidade de ouro em suas mãos: coordenar uma agenda integrada de segurança pública para os estados da Região Nordeste. Com o apoio do ministério e a experiência de Dino como governador, as perspectivas são favoráveis de que os estados possam trocar informações e desenvolver ações conjuntas em diversos temas, como o crime organizado, por exemplo.
É sabido que as facções têm a capacidade de estender suas ações para além do seus territórios de origem. Já há registros de ações coordenadas entre grupos armados nas divisas estaduais do Piauí e do Ceará. Além disso, organizações criminosas de alcance nacional operam livremente nos estados, ainda que vez ou outra possam enfrentar resistências locais. Não é possível compreender os órgãos de segurança atuando somente no interior de suas divisas diante de um antagonista cuja capilaridade supera até mesmo as fronteiras nacionais.
Os atentados ocorridos no Maranhão, no Ceará e, mais recentemente, no Rio Grande do Norte ilustram essa capacidade de replicação cuja origem remonta à pouca atenção dada ao sistema prisional durante todo esse tempo. Por que não encarar esse desafio de forma regionalizada, a partir das experiências de gestores e do compartilhamento de casos bem sucedidos? E o que dizer da formação policial, elemento crucial para qualquer política pública do setor?
Em outra frente, os dados produzidos sobre violência e criminalidade poderiam ser uniformizados e sistematizados dentro de um padrão comum. Essa medida contribuiria de forma decisiva para que os gestores pudessem ter uma espécie de sala de situação sobre a região. Abordei esse tema anteriormente, destacando a dificuldade de se acessar tais números. Como fazer com que a população se engaje nesse esforço de promover uma sociedade mais segura se ela nem ao menos sabe os rumos que o Estado está tomando na área da segurança?
Criada há dois anos, a Câmara Temática da Segurança Pública, do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, poderia ter avançado mais nessas questões. Ao contrário do que aconteceu em relação ao trabalho de prevenção à covid, muito pouco foi feito. Tão importante quanto prover os estados de recursos materiais para suas atividades é integrá-los em um arranjo institucional que amplie sua capacidade de atuação e sua inteligência sobre o assunto. Flávio Dino é a pessoa certa no lugar correto para tanto. Resta saber se ele topa encarar o desafio. Esse, certamente, seria o maior legado de sua gestão.
Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios.