Rede de Observatórios de Segurança

STF a um passo decisivo sobre a política de drogas

event 26 de maio de 2023

Por Ricardo Moura*

Sem muito alarde, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, recolocou em pauta uma questão central para a política de segurança pública no Brasil: a descriminalização do porte da maconha para consumo próprio. Até o momento, há três votos favoráveis a essa decisão. Pela notável repercussão, existe a perspectiva de que possa ser aprovada, trazendo novas possibilidades sobre como nós, sociedade, lidamos com os entorpecentes.

O fato motivador para que esse assunto entrasse na pauta do STF foi um recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo. Em 2010, Francisco Benedito de Souza foi condenado à prestação de dois meses de serviços comunitários após ser flagrado com três gramas de maconha em sua cela em uma prisão paulista. A decisão ampara-se no artigo 28 da Lei de Drogas que prevê penas para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.

Contudo, essa tipificação penal, de acordo com a defensoria, ofenderia o princípio constitucional da intimidade e da vida privada. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, disse, em seu voto, que a criminalização estigmatiza e compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de se configurar como uma punição desproporcional ao usuário.

Quando pensamos em uma política realmente consequente em relação ao consumo de drogas, a sensação é que se está enxugando gelo. Não é admissível que as únicas alternativas para lidar com essa questão se resumam a essa guerra sem fim contra as drogas, cujo efeito colateral é a superpopulação carcerária. O centro de toda essa política está na concepção de que o usuário é um criminoso em potencial, igualando-o ao traficante na responsabilização. 

Como a lei não especifica quantidade máxima permitida em posse do usuário, é possível que uma pessoa com três gramas de maconha seja tratada com o mesmo rigor de quem é flagrado com toneladas de entorpecentes. Da forma como está, a legislação mais atrapalha que ajuda. Além disso, sabemos muito bem que a tolerância das autoridades com esse tipo de crime varia conforme o status social e a cor da pele de quem é detido. Dependendo de qual família você pertença, é possível até mesmo pilotar um helicóptero repleto de cocaína e sair impune.

Descriminalizar as drogas tiraria boa parte do poder dos grupos armados, mas há interesses escusos para que essa situação se mantenha. A proibição enseja a criação de um mercado paralelo que sustenta muita gente e não estou me referindo apenas aos traficantes. O crime só se organiza com a conivência de agentes públicos e econômicos. O Velho Marx, já em seu tempo, destacava a imensa cadeia produtiva que se ancorava na figura do criminoso. Enquanto essa lucrativa engrenagem se mantém, sua peça mais vulnerável, o usuário, paga uma pena desproporcional para que todo o sistema funcione. O STF pode pôr um fim nisso.  

Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *