Território hostil: casos de racismo nos aeroportos brasileiros
Por Adyel Beatriz*
Cíntia Barboza, Vilma Nascimento, Josemar, Renato Freitas e Samantha Vitena. Pessoas diferentes, em contexto distintos, mas que relataram algo em comum: o racismo dentro de aeroportos pelo Brasil.
O caso mais recente divulgado aconteceu com a rainha de bateria da Acadêmicos de Realengo e professora de educação física, Cíntia Barboza, no início deste mês. Ela foi impedida de embarcar para o Benin, país da Região Ocidental do Continente Africano, por suspeita de transportar drogas e acabou perdendo um evento de trabalho. De acordo com a rainha de bateria, depois de passar mais de seis horas sendo investigada e revistada, ainda precisou fazer uma tomografia para comprovar que não carregava entorpecentes. A vítima sequer foi realocada em outro voo ou recebeu auxílio. Junto dela, outros homens, negros, passaram pelo mesmo constrangimento.
Não importa o gênero, a sexualidade ou a idade, o racismo perpassa todas as camadas. Nem dona Vilma Nascimento, 85 anos, renomada porta-bandeira da escola de samba Portela, escapou. Ela relatou ter sido alvo de discriminação racial nas dependências da loja Dufry Brasil, no aeroporto de Brasília, um dia após receber uma homenagem na capital do país pelo Dia da Consciência Negra. Uma segurança da loja exigiu que Vilma retirasse todos os pertences da própria bolsa por suspeita de furto.
A intensificação dos relatos de discriminação racial em aeroportos brasileiros expõe uma preocupante lacuna na experiência de viagem para passageiros racializados e de classes econômicas mais baixas. Apesar de promessas de promoção da diversidade e inclusão, casos de racismo continuam a ocorrer, lançando uma sombra sobre o setor da aviação no país.
O baixo percentual de indivíduos não-brancos atuando ou utilizando o serviço intensifica a problemática do racismo na esfera aeroportuária, construindo um ambiente hostil e ameaçador para estas pessoas.
Um levantamento feito pela Organização Quilombo Aéreo, instituição que visa trazer visibilidade aos tripulantes negras (os) da Aviação Civil Brasileira, em colaboração com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), revelou que 97% dos pilotos são do sexo masculino, com apenas 2% representando a comunidade negra (todos homens). No contexto dos comissários de bordo, a maioria, 66%, é composta por mulheres, sendo apenas 5% afrodescendentes.
Esses números evidenciam desafios significativos em termos de diversidade e representatividade no setor da aviação no país.
No contexto brasileiro, não há informações precisas ou estimativas sobre a proporção de pessoas negras embarcando em voos. Enquanto a falta de dados persiste, o teste informal do olhar, ao observarmos a diversidade racial – ou sua ausência – em determinados espaços no ambiente aéreo, continua a ser uma ferramenta útil para avaliar a representatividade.
Abordagens de segurança são aleatórias, segundo a Polícia Federal. No entanto, como não questionar essa aleatoriedade se pessoas negras são as mais selecionadas em inspeções excessivamente agressivas e humilhantes? Entre os incidentes relatados, a preocupação significativa surge justamente em relação às verificações de segurança nos aeroportos, onde passageiros relatam serem submetidos a procedimentos mais rigorosos com base em estereótipos raciais.
As autoridades aeroportuárias têm sido pressionadas a reavaliar essas práticas, garantindo que a segurança não seja comprometida enquanto tenta evitar a perpetuação de preconceitos. Tanto elas como as empresas de tráfego aéreo dizem trabalhar para implementar medidas corretivas, apesar de negarem o racismo. No entanto, os desafios persistem, desde a identificação precisa dos incidentes até a promoção de uma cultura antirracismo entre os funcionários. Fica evidente que o crime contra negros e negras nos corredores dos aeroportos continua sendo imperativo.
Adyel Beatriz é assistente de comunicação da Rede de Observatórios*