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Um bioma ameaçado: quando o estado é omisso e o crime triunfa

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event 2 de março de 2023
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Lila Xavier Luz, Marcondes Brito da Costa, Marcela Castro Barbosa*

O desenvolvimento sustentável, as políticas ambientais e a escassez dos recursos naturais atrelados ao avanço das políticas neoliberais são pautas de cunho internacional e o Brasil torna-se o epicentro desse debate. Mas que tipo de desenvolvimento e ações vem de fato acontecendo? Quando um desenvolvimento é visto unicamente pela dimensão econômica, centrada no lucro, diversas questões são deixadas de lado, dentre elas a vida das pessoas, dos animais e a natureza de um modo geral. Nesse sentido, tudo pode acontecer e acaba acontecendo.

A reflexão parte do cenário ambiental do estado do Piauí. Recentemente ouvimos de um colega uma frase, que gostaríamos de reproduzi-la aqui, porque ela evidencia a intensidade da realidade que norteia esse tipo de desenvolvimento: Toda tragédia aqui ganha contornos mais intensos. A afirmação é impactante e merecedora de atenção sobre as ramificações de uma tragédia ambiental e silenciosa, que vem abatendo no estado.

Primeiramente, é necessário destacarmos a importância e a grandiosidade do Cerrado, o segundo maior do país, que se localiza na parte mais central do Brasil. Segundo informações do Portal Embrapa, o Cerrado inclui os estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal. Outro aspecto importante é que, para muitos ambientalistas, o Piauí é considerado, por ser a última fronteira agrícola brasileira, o estado que detém a maior parte do seu bioma ainda protegido. Por outro lado, também é por onde o agronegócio tem avançado mais veloz e violentamente.

Além dessas características, o estado também integra a região conhecida como MATOPIBA. Trata-se da zona territorial que faz parte da fronteira localizada na junção dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que abrange 337 municípios em uma área de 73.173.485 hectares. No MATOPIBA também está parte de três importantes bacias hidrográficas brasileiras, dos rios Tocantins e Araguaia, do São Francisco e do Parnaíba.

Piauí, Bahia e Maranhão são os três estados que mais desmataram o bioma nos últimos oito anos. Segundo matéria do jornal O Estado do Piauí, houve uma devastação avassaladora entre janeiro e dezembro de 2021, equivalente a 8.155km2. Esse percentual é seis vezes maior que o território da capital Teresina. Cerca de 30% do Cerrado concentra-se na região do MATOPIBA, já o desmatamento chegou a 60%. No último mês de 2021 a devastação quase dobrou: em menos de trinta dias, saiu de 444 km2 para 839 km2.

Há mais de 20 anos, o Piauí vem sendo alvo estratégico de expansão do agronegócio, experimentação de novos e mais agressivos agrotóxicos, nuvens quase intermináveis de venenos que tem causado adoecimentos nas populações que vivem nos 33 municípios localizados no sudoeste piauiense. O território é bastante heterogêneo, marcado por muita pobreza e desigualdade social, em razão da concentração de terra e de renda. Essa realidade vem sufocando e expulsando comunidades e povos tradicionais de vários municípios, além do processo de desertificação que ocorre no município de Gilbués.

Ainda de acordo com O Estado do Piauí, nos últimos cinco anos, 76% da fronteira agrícola avançou na vegetação nativa do Cerrado. Além disso, os dados do ICMBIO apontam que há 4 espécies ameaçadas de extinção, com o Cerrado como principal. Já a organização WWF destaca que os cerrados guardam e protegem 55% do bioma do planeta, mas essa riqueza ambiental parece não sensibilizar as autoridades para sua proteção.

Que medidas o governo estadual tem implementado para enfrentar essa situação? Infelizmente, não identificamos ações do governo anterior, nem do atual, nem uma medida que expresse uma política pública para enfrentar o desmatamento e a desertificação. Pelo contrário, por meio de pronunciamentos públicos os governos destacam ser o agronegócio a experiência econômica exitosa em que a quantidade de grãos produzidos é destacada como o único troféu do desenvolvimento. Frente a esse reconhecimento, a tendência dos empresários tem sido de expandir cada vez mais sobre o bioma.   

Associado à expansão do agronegócio, outra questão que já incide negativamente na preservação do Cerrado é a descoberta de jazidas de diamantes, bauxita e outros metais preciosos em parte da região. O fato tem interferido na vida de comunidades quilombolas que residem na transversalidade regional, entre o cerrado e a caatinga, e tem convivido com explosões e materiais tóxicos transportados por caminhões. Cabe lembrar que, geralmente, essas comunidades são áreas de proteção ambiental.

Mesmo diante do medo, do terror e do impacto desse processo de extração na produção agrícola e na saúde da população que reside nessas comunidades, há questionamento e resistência pela preservação de suas terras e de seus modos de vida. A resposta é de que há uma licença de pesquisa para mineração expedida pelo governo do estado. Segundo o Portal Mídia Ninja, a Mineradora SRN Holding tem a pretensão de extrair ao ano 300 mil toneladas de alumínio de ferro do chão quilombo. O território da mineração compreende parte das 119 comunidades quilombolas, correspondendo a 62.375 hectares. Além disso, outras experiências para descobrir mais metais já foram anunciadas.

Dessa maneira, observamos diferentes situações de violação de direitos, não somente socioambiental, mas também relacionado a uma ameaça de destruição dos modos de vida das comunidades tradicionais, desestruturação da cadeia produtiva de base agroecológica, exploração irregular da mineração pelo bioma Cerrado, com destruição da flora e da fauna, dentre outras. A questão que fica para reflexão é que, enquanto houver um estado omisso e estimulador de práticas inadequadas do agronegócio e da mineração, haverá vidas perdidas pela busca desenfreadas de lucro.

Lila Xavier Luz é pesquisadora do Observatório do Piauí 

Marcondes Brito da Costa é coordenador do Observatório do Piauí

Marcela Castro Barbosa é pesquisador do Observatório do Piauí

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