União branca: o legado do BBB é um retrato do Brasil
Por Wellerson Soares*
A edição do BBB 23 gerou expectativas quando anunciou uma temporada com maior participação de negros, mas o que ficou foi o som do arrastar de correntes como um lembrete social do pacto da branquitude pelo prêmio nessa edição. Os negros do reality foram eliminados um a um, em função do julgamento seletivo e da “união branca” dos demais participantes e do público – que perdoa crimes de homens brancos, mas não perdoa falas de um negro. O que vimos foi apenas um retrato do Brasil e que, inclusive, tem reflexos na segurança pública.
O BBB trouxe à tona estigmas raciais ainda não superados na sociedade e dividiu o público entre os que cobravam posicionamento contundente do programa e os que achavam exageradas as reações das vítimas. Em um dos casos mais emblemáticos da edição, a participante Key Alves negou ter cometido racismo religiosos e, sim, intolerância religiosa contra Fred Nicácio, e o acusou de estar “levando a discussão para outro rumo”. E ao longo da edição, os concorrentes confirmaram que são produto desse contexto brasileiro que tem preconceitos enraizados e não discutidos.
Excessos contra os participantes negros se intensificaram. A integrantes foram direcionadas ofensas em “tom de brincadeira”, como “urubu de luto”, “urublue” ou quando foi sugerido a uma outra competidora negra “comer uma banana”. Além de inúmeros momentos em que homens negros foram caracterizados como agressivos. Em contrapartida, dentro e fora do programa, comportamentos reprováveis da parte branca do elenco foram encarados com seletividade e em alguns momentos foram poupados. Ao ponto de o pai de Bruna Griphao ameaçar processar todas as pessoas que acusassem sua filha de racismo.
O pacto social entre brancos constrói uma rede de proteção que releva seus erros e as críticas são bem selecionadas, enquanto direcionam ataques desmedidos a pessoas negras. Sejam eles dentro de um programa de entretenimento ou em uma abordagem policial que identifica um “biotipo criminoso”. Corpos negros viram notícia por serem violentados e rapidamente a presunção de inocência, prevista na Constituição, torna-se princípio de acusação, por conta da naturalização da figura do negro como criminoso violento.
Não por acaso, uma ação histórica em julgamento no Supremo Tribunal Federal tem como base um evento em que os policiais admitiram que a abordagem foi motivada pela cor da pele. A decisão, se positiva, pode decidir pela ilegalidade de provas obtidas por policiais em ações motivadas pelo aspecto racial. A naturalização da figura do negro como agressivo, perigoso e por isso elemento suspeito é letal e definidora de quem vive e quem morre. Isso ficou comprovado pelo boletim Pele alvo: a cor que a polícia apaga. Em 2022, a polícia matou 3.290 pessoas nos estados que compõem a Rede de Observatórios e 2.154 eram negras. Ou seja, ao menos cinco indivíduos negros são mortos pela polícia todos os dias.
Pensar o Big Brother apenas como entretenimento é um equívoco. O programa reflete diretamente o que milhões de pessoas sofrem diariamente no Brasil. O debate social sobre temas sensíveis precisam continuar sendo pluralizados no cenário nacional e a atração é um canhão que pode ajudar neste sentido. Mas nada disso será possível sem a força da pressão popular e dos protestos por mudanças.
Wellerson Soares é jornalista na Rede de Observatórios.*