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A “metropolização” dos homicídios no Ceará

event 9 de janeiro de 2020

Por Ricardo Moura*

Conforme noticiou O POVO, o general Guilherme Theophilo, secretário nacional de Segurança Pública, defendeu novamente a inclusão de dois municípios cearenses no programa “Em Frente, Brasil”, que articula esforços da União, estados e prefeituras no combate à violência e à criminalidade. A proposta de Theophilo é que Maracanaú e Caucaia façam parte da expansão do programa, que prevê ampliação da quantidade de cidades abrangidas neste ano.

Lançada em agosto passado, a ação do Governo Federal abrange atualmente cinco municípios brasileiros: Ananindeua (PA), Cariacica (ES), Goiânia (GO), Paulista (PE) e São José dos Pinhais (PR). De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, os resultados até aqui têm sido positivos, com queda de 43,5% em homicídios e 28,7% dos roubos nas áreas atendidas. A participação de Maracanaú nessa etapa inicial do programa chegou a ser cogitada, mas divergências políticas deixaram o município de fora da lista.

À exceção de Goiânia, as demais cidades que integram o “Em Frente, Brasil” estão localizadas em áreas metropolitanas. Essa particularidade é uma pista importante para compreendermos a dinâmica dos homicídios no Ceará. A coluna passada abordou a correlação entre população carcerária e taxa de assassinatos. Nesta semana, vamos nos deter nas inter-relações territoriais da violência letal.

Quando comparamos a participação de Fortaleza no total de homicídios do Estado é possível perceber uma redução gradual de 41%, em 2015, para 29,7%, em 2019. Em números absolutos, os homicídios em Fortaleza caíram de 1.651 para 608 no mesmo período. Vale ressaltar que os dados referentes a 2019 só vão até novembro, último mês com informações divulgadas pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

Em compensação, a presença da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) nos assassinatos saltou de 19,1% para 31,2%, de 2015 a 2019. Trata-se de uma inversão na comparação com os índices da Capital, fortalecendo a tese de migração da violência letal. No mesmo período, os homicídios na RMF caíram de 771 para 640, com picos em torno de 1,2 mil ocorrências. Como se pode notar nas estatísticas apresentadas, mais pessoas foram mortas nos municípios da Região Metropolitana que em Fortaleza entre janeiro e novembro de 2019: 640 a 608. Haveria, portanto, uma correlação entre redução dos assassinatos e o que poderíamos denominar, provisoriamente, de “metropolização” dos homicídios. O ano novo começou dando sinais de que essa tendência deverá se manter: nos três primeiros dias de 2020, pelo menos quatro pessoas foram assassinadas em Caucaia.

Se as posições entre Capital e Região Metropolitana se inverteram nos últimos cinco anos, a violência letal manteve-se proporcionalmente no Interior. Em números absolutos, os assassinatos caíram de 1.596, em 2015, para 798, em 2019. Nesse período, a variação percentual da participação dos municípios interioranos se mantém em torno dos 39% apesar de uma oscilação para cima registrada em 2016 (46,9%).  

Descrever as causas da “metropolização dos homicídios” vai além dos limites desta coluna. Uma primeira razão a ser levada em conta, no entanto, deve-se ao espaço “privilegiado” que ocupam. Por estarem localizados nas margens de Fortaleza, os municípios da Região Metropolitana servem tanto como rota de fuga quanto de porta de entrada para o crime organizado. Modificações na configuração da criminalidade da Capital, portanto, geram repercussões nas regiões vizinhas.

De modo geral, as medidas apontadas como responsáveis pela queda nos índices de homicídio concentram-se primordialmente na Capital para só então serem descentralizadas. Frank O. Mora, doutor em relações internacionais e especialista em economia política latino-americana, denomina esse fenômeno de “efeito balão”, ou seja, quando a pressão aumenta em um ponto, o fluxo de ar se move para áreas de menor resistência. Da mesma forma, a dinâmica socioespacial do crime se alteraria a partir de maior repressão policial em determinadas áreas.

Incluir Maracanaú e Caucaia em um programa governamental que articula ações do poder público em seus três níveis pode ser uma estratégia interessante frente à persistência da violência letal na Região Metropolitana. Para tanto, é preciso pensar além dos impasses políticos e construir alianças pragmáticas em torno do que realmente interessa à população: a possibilidade de viver a vida com segurança.

*Ricardo Moura é pesquisador do Observatório da Segurança — Ceará e colunista do jornal O Povo

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