Rede de Observatórios de Segurança

Nove anos do Caso Amarildo: Estado ainda não pagou indenização

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event 14 de julho de 2022

Por Nathália da Silva* 

 

Cadê o Amarildo? Neste 14 de julho, completam-se nove anos do desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza. Apesar da condenação do Estado, a viúva e os filhos não recebem a indenização prevista. O caso acendeu o debate sobre como as forças de “pacificação” atuam violentamente nas favelas. 

Amarildo era nascido e criado na Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro. Sendo pai de 6 filhos,  era conhecido por ser uma pessoa carinhosa, prestativa e tinha o apelido de Boi por sua força. Em um domingo, após um dia de pesca, o pedreiro saiu para comprar alho e limão para temperar o peixe. No bar, foi abordado por policiais e levado para base da UPP mais próxima, onde foi visto pela última vez.

Em entrevista à Rede de Observatórios da Segurança, Elizabeth Gomes, viúva de Amarildo, relembra uma certa implicância da polícia com o marido. Minutos antes do desaparecimento, dois agentes passaram na porta da casa dela. 

“Ele estava limpando os peixes na porta de casa quando apareceram dois policiais e falaram “Oi, tudo bem?” e nós dois respondemos que estava tudo bem. Nisso, meu marido saiu porque precisava comprar limão e alho para temperar o peixe. Depois disso, minha vizinha chegou dizendo pra eu correr porque os policiais tinham levado o Amarildo. Os mesmos policiais que passaram na nossa porta”, relata Beth. 

A última vez que Elizabeth viu seu esposo foi quando ele saiu da UPP e entrou em um carro acompanhado por policiais. Neste momento, Amarildo avisou que seus documentos estavam na mão de um determinado agente. Depois disso, o pedreiro foi levado para outra sede da polícia, onde foi torturado até a morte. 

De acordo com o Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense, moradores de São Conrado vivem 23 anos a mais que moradores da Rocinha. Além da negação de direitos presente neste território, existe uma política de morte disfarçada de segurança pública que colabora para o desaparecimento, encarceramento e morte de pessoas como Amarildo. 

O pedreiro já era ameaçado por PMs por sempre defender seus filhos de abordagens violentas. “Os meninos maiores estavam naquela idade do estereótipo de menino preto, favelado que sempre era abordado pela polícia. Na maioria das vezes, agredido. Uma vez um policial ameaçou matar um dos filhos dele e ele falou que pra isso acontecer ia ter que matar ele. E infelizmente o dia de matar ele chegou” conta Michelle Lacerda, sobrinha de Amarildo.

Elizabeth vivia com Amarildo e os seis filhos em uma casa de apenas um cômodo. Os salários de pedreiro e de trabalhadora doméstica nem sempre eram suficientes para suprir as necessidades da família. Mas Amarildo sempre corria atrás do sustento dos seus. Além de sempre poder contar com a ajuda de sua irmã mais velha Eunice, mãe de Michelle.

 “A última vez que vi meu tio foi na semana do desaparecimento dele. Ele veio aqui pedir pra minha mãe  comprar 5 quilos de arroz. Ela disse que não tinha, mas pegou um pouco de arroz no armário, deu pra ele e disse que na semana que vem ela compraria. Só que essa semana nunca chegou porque ele nunca mais apareceu”, lembra Michelle.

Todos os 12 policiais envolvidos estão soltos. O Estado foi condenado a pagar a viúva de Amarildo e seus filhos R $500 mil. Além disso, os irmãos do pedreiro também têm direito a R $100 mil. No entanto, a família não recebe a indenização.

“Saiu em tudo que é reportagem que o dinheiro já saiu e caiu na conta. Às vezes, eu não tenho nem arroz ou feijão pra comer dentro da minha casa. O que eu ganho é R $1200, é um dinheiro que não dá pra nada. E o povo está pensando que eu estou rica”, desabafa Elizabeth.

O caso teve repercussão internacional a partir da denúncia da família e de moradores da Rocinha sobre os abusos cometidos por agentes da UPP dentro da comunidade. O Caso Amarildo não é um caso isolado, mas sim um dos poucos que teve visibilidade. Como se não bastasse a dor da morte e do desaparecimento, a viúva e os filhos ainda sofrem com a prepotência dos policiais que atuam na Rocinha.

“Eles [policiais] estão sempre pegando meus filhos. Querem abordar, bater, colocar eles em beco escuro. Isso não pode acontecer. Eles já destruíram a família. E outro dia, eu passei e um policial falou para o outro “Aí a líder do morro”. Eu não respondi porque não vale a pena debater com eles. Mas o que eles estão fazendo é feio.”, declara Beth.

Graças a campanha Somos Todos Amarildo, arrecadação financeira e mobilização organizada por artistas e empresários para ajudar a família, hoje Elizabeth mora com seus netos em uma casa melhor. Apesar de ainda viver com dificuldades.  Até hoje o corpo de Amarildo não foi encontrado e a família segue lutando para receber a indenização.

*Nathália da Silva é jornalista antirracista e faz parte da equipe de comunicação da Rede de Observatórios da Segurança

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