Bahia, Rio e São Paulo vivem dias de alta letalidade
Por Wellerson Soares*
Em sincronia, os últimos seis dias foram de terror na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo com as operações policiais que resultaram em pelo menos 45 mortes. Entre sexta-feira (28) e quarta-feira (2), foram 19 vítimas fatais nas cidades baianas de Salvador, Itatim e Camaçari, 16 mortos em Guarujá, no litoral paulista, e 10 mortos no Complexo da Penha, Zona Norte carioca. As ações revelam uma dimensão política importante: governos de direita e de esquerda seguem adotando a perigosa estratégia da letalidade policial alta para a segurança pública.
Em São Paulo, a ação da polícia começou na sexta-feira (28), após a morte do soldado Patrick Bastos Reis, baleado durante um patrulhamento na comunidade da Vila Zilda, em Guarujá. Além da série de assassinatos, truculência, intimidação e violação dos direitos humanos foram registradas pela ouvidoria da polícia nos quatro dias de operações para prender os suspeitos de envolvimento na execução do PM.
Para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) não houve excessos e ficou “extremamente satisfeito” com a atuação policial. A tendência é que os militares sigam na região até o fim de agosto, de acordo com o governo estadual.
O padrão de atuação adotado até aqui reflete a política de segurança em curso adotada por Tarcísio. E os números comprovam: o Estado registrou um aumento de 26% no número de mortes provocadas por policiais militares em serviço durante o primeiro semestre de 2023, de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Além disso, o balanço mostrou que, somados os óbitos causados pelas Polícias Civil e Militar, o crescimento é ainda maior: 60% em comparação ao ano anterior.
A crescente letalidade sob a atual gestão vem na contramão dos últimos anos em que a implementação das câmeras corporais nas corporações paulistas contribuiu para a diminuição das ações violentas em 85%. Não por acaso, Tarcísio desde a campanha eleitoral se mostrou contrário ao uso da tecnologia nas fardas dos agentes. Um levantamento feito pelo portal G1 mostrou que até junho deste ano o governo havia congelado o número de equipamentos.
Para a pesquisadora do CESeC, Thallita Lima, o atual governo tem se caracterizado pela falta de clareza: “Nós temos acompanhado um retrocesso do discurso de transparência e profissionalismo policial para um discurso de garantir ‘segurança jurídica para os PMs em operação’”.
Na Bahia, o mesmo caminho foi seguido. Ações de policiamento em três cidades resultaram nas 19 mortes. Em Salvador, por causa das operações, as aulas das escolas municipais de Cosme de Farias foram suspensas na segunda-feira e as atividades do turno da manhã desta terça-feira também foram canceladas, afetando cerca de 1.100 alunos. Camaçari, na Região Metropolitana, e Itatim foram os outros municípios com sete e oito vítimas fatais, respectivamente. Até a publicação deste texto, nem o governador Jerônimo Rodrigues (PT), nem o secretário de Segurança Pública, Marcelo Werner, comentaram os resultados das incursões.
Jerônimo Rodrigues já ressaltou a disposição do Estado no combate à criminalidade. Ele afirmou reiteradas vezes que seus esforços estão concentrados no investimento em equipamentos repressivos como a aquisição de armas, coletes e aparatos tecnológicos. A resposta é preocupante diante dos números apresentados pela Bahia: são 2.643 mortes violentas em 2022 e 1.464 vítimas fatais de intervenções policiais em 2023, ultrapassando o Rio de Janeiro, que liderava o índice nacional desde 2015.
O boletim Pele Alvo: a cor que a polícia apaga registrou que Bahia é o estado com o maior percentual de negros mortos. A cada 24h uma pessoa negra é vítima fatal de ação policial. O Estado é o mais letal do Nordeste, com o maior número absoluto de mortes na região, e tem alto percentual de pessoas negras mortas pela polícia quando descartados os não informados – 98%.
O Rio de Janeiro, campeão de chacinas, operou mais uma matança no Complexo da Penha, na madrugada desta quarta-feira (2). Foram pelo menos dez mortos e quatro feridos na operação que acordou os moradores às 3h da manhã ao som dos traçantes. Um encontro entre líderes do Comando Vermelho teria motivado a incursão, segundo a Polícia Militar.
Com a operação de hoje, a Rede de Observatórios já registra 52 chacinas e tentativas de chacina no Estado no primeiro semestre de 2023. De acordo com o Fogo Cruzado, a Zona Norte do Rio foi palco de sete das maiores chacinas registradas nos últimos anos, que levaram 108 pessoas à morte. No ano passado, o relatório Pele Alvo apontou que dos 57 registros policiais com 3 vítimas ou mais, 30 deles apresentaram totalidade de vítimas negras. Ao todo, foram 155 mortos e 138 delas eram pretas ou pardas.
Apesar das inúmeras mostras da capacidade letal das polícias cariocas, recentemente os governos federal e estadual firmaram acordo de cooperação no combate à violência no Estado. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou um investimento de mais de R$112 milhões – e a possibilidade de ainda mais dinheiro – traduzidos em equipamentos repressivos, como viaturas, drones e armamento, aumento de capacidade carcerária e a construção de novos presídios.
Wellerson Soares é supervisor de comunicação na Rede de Observatórios.*