Concepções distintas marcam leis orgânicas da PM e da Polícia Civil
Por Ricardo Moura*
No Congresso Nacional tramitam dois projetos de reformulação das leis orgânicas das polícias. Os textos, contudo, apresentam concepções distintas de segurança pública. No caso das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares, a proposta que rege este tema, o Decreto-Lei 667, de 1969, remonta ao período da Ditadura Militar.
O projeto que cria a Lei Orgânica Nacional da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros tramita desde 2001. O texto foi aprovado, ano passado, na Câmara dos Deputados e agora está no Senado, sob a relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES). Esta seria uma boa oportunidade para debater o fim do militarismo das polícias. No entanto, a proposta faz exatamente o contrário: mantém a vinculação das forças policiais aos militares, cumprindo o papel de “força reserva e auxiliar do Exército”.
As PMs, na legislação, são compreendidas como “indispensáveis à preservação da ordem pública, à segurança, à incolumidade das pessoas e do patrimônio e ao regime democrático, organizadas com base na hierarquia e na disciplina”. Além disso, o Comando do Exército, por meio da Inspetoria-Geral Militar, está incumbido, em âmbito nacional, de realizar estudos, coleta de dados e assessoria referente a essa condição da polícia militar como força reserva e auxiliar.
Como se vê, mesmo com uma nova legislação, pós-Constituição de 1988, as forças armadas se mantêm presentes no sistema de segurança pública do país. Em contrapartida, a Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil, recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados, surge como uma proposição muito mais inovadora.
A mudança mais radical diz respeito ao fim do cargo de escrivão. A nova legislação prevê apenas três cargos: delegado de polícia, oficial investigador de polícia, e perito oficial criminal, caso o órgão central de perícia esteja integrado na estrutura da polícia civil.
Caberá ao oficial investigador de polícia exercer atribuições de apuração, cartorárias, procedimentais, obtenção dos dados e operações de inteligência e execução das ações investigativas. Tudo isso sob determinação ou coordenação do delegado de polícia. Com a mudança, as atribuições de inspetor e escrivão são incorporadas a de oficial investigador de polícia. A distância entre o policial de “rua” e o de “cartório” se reduz, impactando desde o trabalho investigativo ao atendimento da população, item que costuma ser motivo de várias queixas.
Trata-se, por certo, de uma medida bastante radical em uma cultura centenária que tem o cartório como o núcleo-duro da atividade policial. A própria mentalidade do profissional precisa ser trabalhada para se adequar a essa nova realidade. A Lei Nacional Orgânica contempla esse processo de transição ao afirmar que os cargos efetivos atualmente existentes poderão ser transformados, renomeados ou aproveitados conforme cada legislação estadual.
Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios.*