Rede de Observatórios de Segurança

Caso Heloysa Gabrielly: quando a guerra vale mais do que a vida

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event 16 de abril de 2022

Por Edná Jatobá*

Heloysa Gabrielly (6 anos) foi morta enquanto brincava na frente da casa de sua avó, no dia 30 de março, na comunidade de Salinas/Porto de Galinhas, Região Metropolitana do Recife. Naquele mesmo dia, acontecia uma das muitas operações policiais na comunidade e a menina acabou sendo morta com uma bala no peito. Indignados, familiares narram que nunca houve troca de tiros, que a polícia entrou atirando e organizaram manifestações cobrando dos órgãos públicos a devida investigação e responsabilização do ocorrido. Foram reprimidos por centenas de policiais, com armamento pesado e ações ostensivas. A cena foi vista em todos os meios de comunicação do Brasil: mais violência, medo e caos na comunidade. Após a morte da pequena Heloysa, a resposta do Estado foi o envio de mais de 250 policiais numa operação chamada de Porto Seguro que visava garantir a normalidade e paz social em Ipojuca. A pergunta que fica é: garantir a paz de quem? 

Não se trata aqui de deslegitimar o trabalho que a polícia tem o dever de realizar para proteger a população, mas sim de questionar sobre o que fazer quando a ação da polícia tem justamente o efeito contrário ao anunciado por ela mesma. Garantir paz para a comunidade, com helicópteros dando voos rasantes, com policiais armados na porta da aeronave, em cima da casa da família que acabara de perder sua filha? Garantir tranquilidade reprimindo quem se manifesta pedindo justiça? 

Infelizmente, o caso de Heloysa não é um caso isolado. Em novembro de 2020,  uma única família, desta vez na praia de Itamaracá, litoral norte de Pernambuco, perdeu 2 de seus entes queridos: Marcone e Deyvison. Tio e sobrinho que trabalhavam na despesca de camarões e tiveram suas vidas arrancadas de maneira cruel, também durante uma ação da polícia na região. A perícia encontrou sinais explícitos de tortura em ambos os corpos e a família até hoje clama por justiça. Qual juventude a polícia protegeu aqui?

Em Pernambuco, 113 pessoas foram mortas em ações policiais. Destas, 97,3% eram pessoas pretas e pardas, de acordo com os dados da Secretaria de Defesa Social fornecidos para a Rede Observatórios de Segurança, coletadas durante o ano de 2020. No país, a polícia foi responsável por cerca de 13 em cada 100 mortes violentas no mesmo ano, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ao todo, no Brasil, foram registradas 6.146 mortes em decorrência da atividade policial. 68,8% eram jovens de 18 até 29 anos e 78,9% eram pessoas negras. 

O Instituto Fogo Cruzado, que mapeia a violência armada em Recife e na Região Metropolitana, registrou, de 2018 a 2022, 286 pessoas baleadas em operações policiais, destas, 127 morreram. O aumento do último ano preocupa toda a sociedade civil que sente na pele, e nos números, o aumento da violência em territórios marginalizados pelas forças policiais. Importante ressaltar que a polícia de Pernambuco está sob responsabilidade do Governador, que tem o dever de zelar pela segurança pública. Cabendo a ele responder, em especial aos familiares, quando a mesma age de maneira letal, contra aqueles e aquelas que deveria proteger.  

No dia 05 de abril, mais 100 entidades de todo o país apresentaram à ONU (Organização das Nações Unidas) e à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) um Apelo Urgente sobre as violações ocorridas em Porto de Galinhas. Exatas 119 organizações e movimentos sociais pediram, por meio de um documento composto por dados e evidências sobre esse caso em que o despreparo da polícia é patente, além das violações de normas e recomendações internacionais durante as ações no território. Dentre outras solicitações, a sociedade civil pede que os organismos internacionais demandem explicações ao Brasil e cobrem um plano de combate à violência e letalidade policial, com a participação da sociedade civil. Além de acolher e acompanhar as vítimas e familiares das vítimas da violência policial. 

A atuação de grupos criminosos armados e facções em territórios das cidades do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca infelizmente não são novidade nem para a polícia, muito menos para a população, mas isso não justifica uma ação desproporcional, nitidamente mal planejada e que prioriza a captura de um suspeito em detrimento da segurança das pessoas, especialmente de crianças. A vida neste caso, não foi a prioridade, e isso é um fato. No meio do paraíso, a preocupação parece voltada para a tranquilidade dos turistas e feita “para inglês ver”, para quem mora nas comunidades próximas o que impera é o medo: das facções e da polícia. Como bem diz o pastor Henrique Vieira – “Paz não se constrói com tiro”. 

*Edná Jatobá é coordenadora do Observatório da Segurança em Pernambuco.

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