O escárnio do Carrefour com a luta antirracista
Por Wellerson Soares*
A carne mais barata para o Carrefour é a carne negra e a oferta, recorrentemente, tem sido racismo, tortura e morte. O grupo emite notas de repúdio, promete ações antirracista, mas segue a cartilha da violência como política interna. O crime contra um casal que supostamente furtou dois pacotes de leite em pó de uma unidade em Salvador está longe de ser um caso isolado.
O Carrefour é reincidente nos crimes contra negros. No caso mais emblemático, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte em uma filial do grupo em Porto Alegre (RS), às vésperas do Dia da Consciência Negra, em 2020. O caso ganhou repercussão nacional, resultou em uma onda de protestos e fez com que a marca anunciasse uma série de ações para limpar a própria imagem. Contudo, a resposta mais contundente e escarnecedora é que o supermercado voltou a firmar parceria com a empresa de segurança Cordialle, que antes atendia pelo nome Vector, contratante dos funcionários que mataram o homem conhecido como Beto Freitas.
A promessa de um treinamento antirracista para preparar seus funcionários com ênfase no acolhimento de clientes e valorização de direitos humanos parece não ter saído do papel. Os repetidos atos criminosos cometidos dentro das unidades do grupo parecem não surtir efeito nas ações de segurança privada, que segue fazendo dos corpos negros seus principais alvos.
O setor de segurança privada, a exemplo de outros no Brasil, parece seguir a cartilha do racismo e repetir problemas estruturais na formação de profissionais. Caracterizado como um tipo de policiamento, a cada novo incidente funcionários fortalecem preconceitos e violências contra corpos negros. Foi assim com o casal em Salvador. Novamente os capitães do mato modernos entraram em ação, julgaram, condenaram e torturaram enquanto filmavam tudo para a própria satisfação.
De acordo com a pesquisa “Escuta de Policiais e demais profissionais da segurança pública do Brasil”, publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 6% dos entrevistados declararam atuar como segurança privada para complementar a renda. Isso significa que aproximadamente 47 mil policiais, bombeiros e guardas municipais no país trabalham fazendo “bico”. A prática é proibida por lei para funcionários públicos de segurança.
Coordenadora do CESeC, Silvia Ramos ressaltou a importância de ter clareza e informações detalhadas a respeito da segurança privada no país. Ela salientou que a transparência é fundamental para que se possa responsabilizar, cobrar e propor uma nova formação de profissionais.
“A vigilância privada no Brasil estabeleceu modelos de funcionamento sem supervisão ou controle. Ninguém sabe quantos eles são, como são treinados ou os critérios de contratação. São empresas privadas, às vezes pequenos grupos terceirizados, às vezes ex-policiais, bombeiros, guardas municipais e policiais penais que operam como milícias que dominam áreas. A ideologia racista e anti-pobre predomina nesses grupos, assim como predomina nas polícias. A questão é que essas classes de vigilantes são contratadas por grandes empresas e é delas que devemos cobrar responsabilidade pelas ações dos funcionários, inclusive criminalmente. O Carrefour é um exemplo gritante no Brasil de um grupo estrangeiro que reproduz sem parar práticas racistas, violentas e desrespeitosas sem ser punido criminalmente”, disse Ramos.
Wellerson Soares é jornalista na Rede de Observatórios.