Prender por organizar eventos na favela é racismo
Diego Francisco*
Enquanto o presidente da República incentiva e aglomera, faz pouco caso da pandemia, prescreve medicamento ineficaz, é na favela que as punições se tornam mais severas e, de todos os lados. A prisão de organizadores de bailes e shows em favelas e de artistas que participam desses eventos escancara o racismo dirigido ao Funk e às favelas.
Há alguns dias, fomos surpreendidos com a prisão do cantor Belo, por ter realizado um show na favela da Maré e, mesmo que todos os procedimentos de contratação tenham sido apresentados, a ação da polícia se baseou no fato de que, se aconteceu na favela, tem ligação direta com o crime. Esta é a mesma justificativa apresentada para a prisão de figuras como o MC Poze, o influencer e MC “Negão da BL”, DJ Markinho do Jaca e outras 11 pessoas nesta terça-feira, 2 de março.
Os organizadores dos bailes e os artistas são acusados de infração de medida sanitária preventiva e associação ao tráfico. Mas, na realidade, o que temos é a velha criminalização do Funk e da favela que faz parte de um contexto em que estes espaços e suas produções são reduzidas ao estereótipo disseminado no senso comum e esse modelo é racista. A assimilação da favela ao termo violência e a sua ligação direta com a responsabilidade de produzir o pior das cidades se materializa nessas prisões e em suas alegações para tal.
Até agora não vimos nenhuma prisão de organizadores dos eventos em Ipanema, no Leblon e no Recreio dos Bandeirantes, sua contribuição com a disseminação e o contágio do vírus podem estar produzindo os alarmantes índices com os quais temos lidado e de cujos olhos, o poder público insiste em afastar. Arrastamos há um ano uma situação de calamidade pública, agravada nos territórios de favela em que as soluções vieram dos próprios moradores que, precarizados pela situação do país, se dedicaram a atenuar os efeitos para a população que viu a comida sumindo do prato.
A produção de eventos nas favelas também movimenta a economia e garante sustento de famílias inteiras. Como em outras partes da cidade, se o argumento é não parar a economia e que a vida não pode parar, prender por organizar eventos na favela só tem um nome: racismo.
** Diego Francisco é pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.