O que esperar de 2022 na área da segurança pública no Ceará?
Ricardo Moura*
Como em todo ano eleitoral, a pauta da segurança pública promete dominar o debate público. O diferencial dessa vez é o fato de estarmos presenciando o fim de um ciclo, ou seja, da gestão Camilo Santana (PT) à frente do Governo do Estado do Ceará. Ainda que seu sucessor não venha da oposição, mas da base aliada, teremos um nome novo com suas próprias concepções sobre o tema. Mudanças virão e com elas todas as turbulências que as cercam.
No que diz respeito às estatísticas criminais, os anos de eleição para governador costumam ser bastante violentos em termos de violência letal. Em 2014, o Ceará bateu seu recorde de assassinatos. Em 2018, por sua vez, os homicídios atingiram seu segundo maior registro, ficando atrás apenas de 2017, no que se tornou o ano mais violento de nossa história.
Os indicadores de violência registraram queda em dois anos do segundo mandato de Camilo Santana, em 2019 e em 2021, com números que chegaram a se aproximar aos da década passada. O desafio agora é manter as taxas em um patamar mais baixo, embora essa queda não implique, necessariamente, na redução do sentimento de insegurança vivido por parte da população. Vivemos com medo e esse sentimento parece ser muito difícil de erradicar.
Da mesma forma como aconteceu no começo de 2021, o município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), transformou-se, mais uma vez, em um pesadelo para os órgãos de segurança. Uma série de homicídios atemorizou a população nos primeiros dias de 2022: uma cabeça decepada foi encontrada em uma ciclovia e um escrivão da Polícia Civil foi assassinado em um curto intervalo de tempo. O município padece diante de um conflito entre organizações criminosas que não dá sinais de enfraquecimento.
A presença das facções no cotidiano da população cearense é o travo amargo em meio a resultados positivos no campo da segurança pública. A possibilidade de que uma nova guerra se instaure, fazendo com que os homicídios explodam novamente, é uma sombra permanente que teima em rondar sobre nossas cabeças. Trata-se de um fenômeno que ganhou forma no governo atual e que, certamente, permanecerá atormentando o que virá.
Do ponto de vista do policiamento, as operações policiais se apresentam como o símbolo da atual gestão. No entanto, é preciso aprimorar o sistema de justiça criminal dotando-o de uma capacidade maior de ação e, principalmente, de agilidade. Urge uma reforma estrutural do poder judiciário cearense. A velocidade com que os processos criminais tramitam tem de ser maior a fim de dar conta do aumento da demanda de prisões e apreensões. Sem investimentos nessa área, o sistema estrangula, ampliando a sensação de impunidade e fazendo com que os policiais tenham a sensação de estar “enxugando gelo”. A justiça que tarda, falha.
Em 2022, deveremos ver ainda, caso tudo ocorra dentro do previsto, as primeiras medidas do Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PReVio) saírem do papel, uma iniciativa coordenada pela vice-governadora Izolda Cela que consiste em três pilares: prevenção social da violência, modernização policial, e prevenção da reincidência infracional em adolescentes.
O grande inimigo do programa é a escassez de tempo. Fiz menção pela primeira vez sobre o PReVio em um artigo escrito em março do ano passado. De lá para cá, o ritmo de implementação não se acelerou. A notícia mais recente publicada no portal da Vice-Governadoria dá conta de uma reunião com a Prefeitura em outubro para apresentação da proposta.
As ações do programa terão de ser realizadas em um calendário espremido pelo período eleitoral e com pouquíssimos meses para que possamos observar algum impacto. Além disso, a partir de 2023, a continuidade do programa, da forma como ele foi pensado, dependerá fortemente de quem irá suceder a Camilo Santana no Palácio da Abolição.
Em se tratando de questões políticas, os trabalhos da CPI das Associações Militares, da Assembleia Legislativa do Ceará (ALCE), deverão ser finalizados no fim do primeiro semestre. Muita gente ainda será ouvida, bem como muitas informações deverão vir à luz sobre o ocorrido. Teremos, então, como saber a dimensão real da participação das associações militares no motim da PM.
A repercussão do relatório final deverá acirrar mais o cenário de disputa em torno do cargo de governador, sem falar nas reações internas que possam a vir ocorrer na corporação. Como os policiais militares não podem se sindicalizar, as entidades representativas assumiram a função de vocalizar as demandas da categoria.
Nesse quesito, vale lembrar que Camilo Santana assumiu o cargo com a missão de restabelecer a relação com a tropa após o desgaste havido com o governador anterior, Cid Gomes (PDT). Gerir a condução do cenário pós-CPI será mais um teste de fogo para um governo que estará em sua reta final e com a missão de eleger um sucessor. Os conceitos de “política” e “polícia” remontam a uma origem em comum. E, mais uma vez, eles voltam a se cruzar (ou seria colidir?) no estado do Ceará.
*Ricardo Moura é coordenador do Observatório da Segurança do Ceará. Esse texto foi publicado originalmente no jornal O Povo.