A Necropolítica no Sistema Prisional: das violações de direitos aos colapsos sociais
Por Francine Ribeiro*
O Brasil, terceiro país com maior população carcerária do mundo, também é a nação em que cerca de 40% dos presos são provisórios – realidade que leva inocentes à privação injusta de liberdade, além disso, e não isoladamente, protagoniza graves violações de direitos humanos no sistema prisional.
O encarceramento em massa somado às condições precárias – que vão desde celas superlotadas, escassez de refeições dignas (alimentos estragados, presença de pregos, vidros e até ratos são comuns), violências físicas cometidas por agentes penitenciários e a falta de contenção de conflitos entre os próprios presos –, tornam o ambiente insuportável e propício à reprodução de mais eventos violentos dentro e, posteriormente, fora das prisões.
Dados da Defensoria Pública de São Paulo mostram que os números de denúncias de tortura, maus-tratos e ameaças aos presos triplicaram no primeiro semestre deste ano se comparado ao mesmo período de 2022. Recentemente, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) revelou que nos presídios de São Paulo foram registradas quase 40 mortes de presos por mês entre 2018 e 2023 – de doenças pré-existentes sem tratamento adequado, das condições insalubres, das mortes violentas aos suicídios: todos faleceram sob a tutela do Estado.
Dessa forma, ficam evidentes a expansão de políticas de morte por ação ou omissão. Um problema que parece exclusivo dos presos e suas famílias, na verdade, é uma questão social voltada para o todo, afinal, há uma ruptura do tecido social a cada violência cometida – seja esta realizada pelo condenado ou pelo Estado.
Ainda que o senso comum possa endossar o atual cenário desumano, é preciso retomar a civilidade para o campo da Segurança Pública e que uma vida digna seja entendida como direito fundamental. Ademais, a grande maioria dos crimes com condenação são patrimoniais e/ou estão relacionados ao comércio ilegal de drogas – somados concentram cerca de 75% dos casos. Portanto, a defesa de punições mais severas, baseadas em crimes contra a vida, não sustentam a argumentação. Ou seja, o problema da violência tida como endêmica e a desigualdade social – bastante debatido por especialistas – precisam ser observados de forma separada e em conjunto para o enfrentamento dos crimes e suas causas.
Por fim, o encarceramento em massa não tem se provado como solução, pois o número de presos tem crescido constantemente ao longo dos anos. Além disso, as condições precárias que levaram pessoas à morte mostram que falhamos como sociedade com relação às políticas de prevenção, de contenção e de restauração.
O Estado de São Paulo tem em seu histórico o massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, no qual 111 pessoas foram mortas, bem como o caso de novembro deste ano em que um preso, de 45 anos, cumprindo pena em Presidente Prudente, foi estrangulado dentro da cela até a morte por outros detentos.
A barbárie que se manifesta de diversas formas nos faz pensar sobre a atuação (ou a falta dela) do Estado em tudo isso e a chancela do atual governador a esse sistema carcerário cada vez mais agressivo, trazendo preocupação de como serão os próximos anos – afinal, diante de todo esse tratamento que tipo de pessoa se espera sair da prisão?
Compreender a dignidade para o outro e para si é um desafio coletivo, mas a medida em que o Estado trabalha para garanti-la, induz a maior prevenção de violências e colapsos sociais.
Francine Ribeiro é pesquisadora da Rede de Observatório em São Paulo*