Rede de Observatórios de Segurança

A ordem é matar: 1.327 pessoas foram mortas pela polícia do RJ em 2022

event 27 de janeiro de 2023

por Silvia Ramos

A divulgação dos números oficiais relativos aos crimes no Rio de Janeiro em 2022 pelo Instituto de Segurança Pública – ISP traz um choque: as polícias mataram 1.327 pessoas no estado. Isso representa 29,7% de todas as mortes violentas no Rio. Ou seja, as forças policiais são responsáveis por um terço da violência letal. 

A despeito do fato de que esse padrão vem se repetindo ano após ano, especialmente na gestão de Cláudio Castro, o número é estarrecedor. Foram 1.327 pessoas assassinadas por agentes policiais, em dinâmicas que acontecem todos os dias, quase sempre em “operações policiais”. Algumas vezes essas ações têm muita visibilidade, quando ocorrem vários mortos em uma única operação (chacinas policiais), quando ocorrem em favelas conhecidas com presença de grupos de ativistas locais ou quando morrem crianças ou mulheres. Podemos contar talvez dez, vinte, trinta, quarenta episódios assim num ano. Mas se juntarmos todos os registros que lemos na mídia profissional e redes sociais, chegaremos  em média a 300 mortes. E as outras mortes que somam 1.327?  

O fato é que a maioria das mortes decorrentes de ação policial ocorre silenciosamente, em bairros com pouco capital social, sem grupos locais com capacidade de vocalização, sem a presença de mães heróicas que trocam suas vidas pela luta por justiça. Existe um varejo da letalidade policial em bairros distantes do olhar da sociedade e do controle, onde agentes sabem previamente que aquele homicídio “não vai dar em nada”. São execuções extrajudiciais, acertos relacionados à corrupção, vinganças, negligências e acidentes. Quando somamos tudo dá mais de 1.300. Mortes inúteis, fúteis, preveníveis. “Quase todos negros”: segundo dados da Rede de Observatórios 87,3% dos mortos pela polícia no Rio de Janeiro em 2021 eram negros. 

O varejão de mortes decorrentes das polícias resume uma política de segurança sem um único controle interno, ou controle externo, do Ministério Público, capaz de conter ou minimizar a determinação de letalidade total, que obedece à lógica de matar em primeiro lugar. 

Abaixo as áreas integradas em que a polícia matou mais de 50 pessoas em 2022.

Em apenas duas das 41 áreas integradas de segurança, a polícia matou zero pessoas em 2022: Laje do Muriaé, Varre-Sai e Italva e em Miracema e Pádua. Este é mais um indicador de que, no caso das polícias fluminenses, a ordem de matar em primeiro lugar é generalizada em todo o estado. Diferente da polícia de Minas Gerais, estado vizinho, que no ano anterior registrou 114 mortes decorrentes de ação policial. O Supremo Tribunal Federal -STF já devolveu dois “planos” do governo do RJ de redução da violência letal policial por não haver indicação de metas, ações e datas. Talvez o compromisso de “matar menos de 1.000 por ano” fosse uma meta que todo policial entenderia.  

Desaparecidos

Outro aspecto importante sobre os números do ISP de 2022 são os desaparecimentos e os encontros de cadáver e ossadas. Houve alterações preocupantes dos dois fenômenos no ano passado. Ao lado dos 3.052 homicídios e 1.327 mortes decorrentes de ação policial, tivemos 5.256 desaparecimentos e 487 encontros de cadáver e ossadas. 

Obviamente o registro de desaparecimentos de pessoas envolve múltiplas dinâmicas (conflitos interpessoais, doenças e outros). Mas não é possível ignorar que parte desses registros pode conter desaparecimentos forçados (mortes violentas sem o aparecimento do cadáver). Junto com o crescimento dos desaparecidos, especialmente em algumas regiões da Baixada Fluminense, verificamos o aumento de encontros de cadáver e ossadas (15 registros). As denúncias e suspeitas sobre a existência de cemitérios clandestinos vêm crescendo na proporção da identificação de domínio por grupos milicianos e de extermínio na região metropolitana. 

Qualquer governo preocupado com a segurança já teria providenciado estudos e levantamentos nos registros para compreender as mudanças nos fenômenos. Mas no Rio de Janeiro não existe uma secretaria de segurança. As polícias individualmente não têm qualquer interesse no tema, o Ministério Público do Rio de Janeiro – MPRJ é omisso e o ISP perdeu a autonomia e força que teve no passado, quando coordenou um esforço de pesquisa liderado pelo cientista social Gláucio Soares sobre a questão dos desaparecidos. 

A traumática morte sem corpo de Amarildo, que desapareceu no coração da Rocinha, na Zona Sul do Rio, em plena luz do dia, torturado e morto por policiais, deveria representar um alerta suficientemente forte para fazer com que o governo entenda que deve explicações à sociedade. Os dados que apenas o governo detém (registros de ocorrência) são fontes preciosas e únicas para pesquisas que podem nos ajudar a compreender o que está acontecendo com a violência letal e a violência que envolve policiais no Rio de Janeiro.  

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