Armas de fogo em poder de CACs triplicam no Nordeste
*Por Ricardo Moura
A chacina ocorrida em Sinop (MT), que resultou na morte de sete pessoas, entre elas uma menina de 12 anos, chocou o Brasil e colocou em xeque o argumento de que as armas de fogo se destinam a algum tipo de proteção para seus proprietários. As imagens das câmeras de segurança mostram os atiradores entrando no estabelecimento armados com uma espingarda e uma pistola .380. Em seguida, eles renderam as vítimas e as executaram friamente, sem qualquer possibilidade de reação.
Um dos autores da chacina, Edgar Ricardo de Oliveira, é cadastrado como caçador, atirador desportivo e caçador (CAC). Além de frequentar um clube de tiro, o assassino postava vídeos nas redes sociais em que demonstrava suas habilidades como atirador. A arma usada no crime é registrada nas Forças Armadas, ou seja, não era ilegal, como se costumar pensar em casos assim. De posse dela, sete pessoas perderam suas vidas por causa de um motivo fútil: perder dinheiro em um jogo de sinuca.
A chacina ocorrida em Sinop é um exemplo de como o aumento no número de armas de fogos em circulação traz mais riscos que benefícios a despeito do que a propaganda financiada pela indústria das armas teima em propagar. As circunstâncias em que o massacre ocorreu demonstram de forma cabal o desastre que foi a política de segurança do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua principal medida nessa área foi liberar o acesso e desregulamentar o porte e a posse de armamentos para determinados segmentos da população.
Os CACs são figuras de relevo nessa estratégia. Os clubes de tiro se multiplicaram no período e o número de registros individuais disparou. Dados obtidos pelos institutos Sou da Paz e Igarapé, a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI), revelam que, entre 2018 e 2022, a posse de armas de fogo nas mãos de caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs) aumentou 321% em oito estados da Região Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Em números absolutos, o arsenal em poder dos CACs saltou de 27.908, em 2018, para 117.646, em 2022. O registro dos armamentos é feito pelas regiões militares, que abrangem mais de um Estado. Por essa razão, não é possível obter o resultado individualizado. O Maranhão ficou de fora desse levantamento por ser abrangido pela 8a Região Militar juntamente com o Pará e o Amapá.
A quantidade de armas em acervos particulares no Brasil é estimada em cerca de 3 milhões. Decretos, portarias e instruções normativas facilitando o porte municiado, o acesso a armas mais potentes e em maiores quantidades foram utilizados para fazer com que o Estatuto do Desarmamento fosse burlado a fim de ampliar o acesso de armas de fogos nas mãos, principalmente, de caçadores, atiradores desportivos e colecionadores.
Essa política fez com que o perfil dos registros se alterasse radicalmente. De acordo com o Instituto Sou da Paz, em 2018, quase metade do acervo de armas pessoais então existente pertencia a membros de instituições militares (47%). O restante do acervo particular era praticamente dividido entre os registros na Polícia Federal (26%) e pertencentes a CACs (27%). Ao longo dos últimos quatro anos, essa proporção se inverteu com o crescimento da categoria de CACs, que passou a ter 42,5% do total de armas particulares no país, em 2022.
Como se pode ver, trata-se de um arsenal considerável nas mãos de grupos que, predominantemente, declaram-se bolsonaristas e creem que a sua própria segurança individual tem prioridade sobre a segurança pública. O massacre ocorrido em Sinop é revelador do perigo que todos corremos quando pessoas fortemente armadas e hábeis no uso de armamentos agem sem qualquer tipo de controle e respeito à vida alheia.
*Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios