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Brasil registra recorde de trabalho escravo no primeiro trimestre

event 28 de março de 2023

Por Wellerson Soares*

O aumento de denúncias de trabalho análogo à escravidão remonta um passado sombrio no atual Brasil e liga uma alerta. Em apenas três meses de 2023, foram 926 trabalhadores resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em condições semelhantes à de escravidão. 

Os dados representam um aumento de mais de 124% em relação ao ano anterior e um recorde para o primeiro trimestre em 15 anos. As informações foram compiladas pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE/MTE) de janeiro a 24 de março, três dias depois do resgate de cinco trabalhadores em condições deploráveis de trabalho no festival Lollapalooza, em São Paulo. É a quarta edição do evento com registro de denúncias de trabalho irregular. 

A alta concentração de denúncias tem ocorrido principalmente nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, em grande maioria em atividades agrícolas. Destaque para os estados de Goiás e Rio Grande do Sul, com 365 e 293 casos respectivamente. Em fevereiro, foram 207 trabalhadores baianos resgatados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na colheita de uvas em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. As vítimas eram chicoteadas, submetidas a jornadas extenuantes, eram proibidos de deixar o local e se alimentavam de comida estragada. Caso semelhante aconteceu em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde um homem de 51 anos foi submetido a trabalho análogo à escravidão em troca de abrigo e lavagem de porcos.

No interior de Goiás, a mesma situação: 365 trabalhadores foram resgatados de lavouras e usinas de cana-de-açúcar. A maioria veio do Maranhão, do Piauí e do Rio Grande do Norte. No ano passado, o MTE mostrou que dos 2.575 casos, 58% das pessoas eram nordestinas, 92% eram homens e 83% eram negras. 

De acordo com o Código Penal Brasileiro, o trabalho análogo à escravidão é caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição de locomoção de funcionários por qualquer que seja a razão. 

O cenário é preocupante

A crescente de casos representa um grande desafio à regularização das condições trabalhistas. O cenário é de um país com 8,6 milhões de desempregados, tentando se recuperar do período da pandemia de covid-19, que levou trabalhadores a se submeterem a oportunidades de emprego mais precarizadas. 

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou que as questões trabalhistas, principalmente o combate ao trabalho análogo à escravidão, é uma prioridade do atual governo. Em coletiva no Rio Grande do Sul, anunciou a criação de um grupo de trabalho com representantes do setor produtivo, sindicatos e autoridades locais para discutir a contratação de mão de obra. Marinho também criticou a polêmica reforma trabalhista sancionada no governo de Michel Temer (MDB) que ampliou a terceirização como mecanismo para a sonegação de direitos, barateamento de mão de obra e precarização da relação do trabalho.

“As empresas reclamam da dificuldade de mão de obra nesses períodos, mas nada justifica esse tipo de ilegalidade. Nessa cadeia de contratação irresponsável, que se intensificou nos últimos governos, a terceirização se alastrou, no sentido do tudo está liberado. Vamos retomar a fiscalização do trabalho degradante, punir com rigor aqueles que se utilizam do trabalho análogo ao de escravo”, afirmou o ministro na coletiva. 

A movimentação para pôr fim ao flerte com um passado cruel, porém, encontra resistência de um grupo de deputados federais a favor da extinção do Ministério Público do Trabalho e de cortes trabalhistas. O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) tem se articulado na Câmara para tentar aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue o MPT, além de acabar com a fiscalizações, o que dificultaria a punição à exploração ilegal da mão de obra. 

Qualquer caso em que um trabalhador seja vigiado, assediado ou intimidado pode e deve ser denunciado, de maneira sigilosa, por meio do site do MPT (www.mpt.mp.br) ou pelo Disque 100.

Os números de casos por estado divulgados pelo MTE:

BA: 13

CE: 18

GO: 365

MA: 18

MG: 82

MS: 16

MT: 4

PE: 3

PR: 1

RR: 6

RS: 293

SC: 26

SP: 62

RJ: 19

Wellerson Soares é jornalista da Rede de Observatórios*

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