Egressos do sistema prisional vivem condenação social
Por Wellerson Soares
Foram 730 dias encarcerado por um assalto. Dois anos se passaram desde o fim da pena, mas a sensação de liberdade ainda não chegou. Aos 40 anos, Moisés* encontra dificuldades para reestruturar a vida. Não consegue emprego, está distante da família, vive sob desconfiança dos olhares vigilantes dos vizinhos e tem uma dívida de mais de R$ 10 mil com o Estado brasileiro pelo tempo que passou na prisão.
A vida das pessoas que passam pelo sistema penitenciário remonta ao passado escravista brasileiro pós Lei Áurea. Homens e mulheres alforriados eram submetidos a condições sociais precarizadas, marginalizados e sem oportunidades de trabalho dignas, estudo e outras condições básicas de subsistência. 135 anos depois, os egressos também sofrem na pele com a herança racista do período de escravidão.
“Não consigo nem emprego de pedreiro para trabalhar nas casas dos meus vizinhos, porque eles acham que vou roubar. Uma vez consegui um bico em um depósito de bebidas para descarregar caixas, mas quando o dono descobriu que fui preso me ameaçou e disse que não podia mais trabalhar lá. No dia a dia as pessoas falam comigo, dão risada mas a desconfiança sempre está presente. Percebo isso nelas. Gente que me conhece há muitos anos, que vem do mesmo lugar que eu”, disse Moisés.
A dívida que o homem de 40 anos tem é fruto da chamada pena de multa. O cidadão passa a estar em débito com o Estado a partir do momento em que a sentença é estabelecida. A cobrança está prevista no Código Penal. Mesmo que o tempo estipulado na prisão tenha sido cumprido, enquanto o egresso não quita o montante sua pena não é extinta. Além disso, ficam suspensos direitos cívicos como direito ao voto e podem ter contas bloqueadas e bens confiscados.
O valor é estipulado a cada dia-multa, equivalente a 1/30 do salário mínimo vigente, que atualmente é de R$ 44. Para delitos como o cometido por Moisés (roubo, furto ou estelionato) já existe um montante estipulado entre 10 e 360 dias-multa, que varia de R $440 a R$ 15.840.
“Nem conta no banco posso ter. Todos os bicos que faço só aceito pagamento na mão, porque se eu boto dinheiro na conta ele fica bloqueado. Também não consigo ter acesso a nenhum auxílio do governo. Isso é uma injustiça. Por isso que muitos irmãos que saem da cadeia voltam para a vida do crime, porque o Estado não ajuda a gente quando voltamos para a sociedade”, desabafou o homem.
Nesse sentido, diversas instituições trabalham para ajudar na ressocialização de pessoas que passaram pelo sistema prisional, como é o caso da organização Reflexões da Liberdade. Localizada no município de Embu das Artes (SP), a instituição busca “ampliar a conscientização sobre o sistema prisional no antes, durante e no depois da prisão e estimular uma olhar mais amplo a respeito do que gera a criminalidade e consequentemente a prisão.”
Com o projeto RH do Egresso, a Reflexões da Liberdade trabalha na integração social e oferece oportunidades concretas para aqueles que tenham cumprido pena reconstruírem suas vidas, oferecendo apoio integral, com atividades de desenvolvimento individual, psicológico e profissional.
“O modelo seletivo penal do Brasil acaba por aprisionar milhares de jovens e adultos, não resolvendo as causas da insegurança social, ou seja, a desigualdade social. Ao sair da prisão, o indivíduo se depara com todas as dificuldades da vida potencializadas por ter antecedentes criminais. Não oferecer meios da pessoa entender sua vida, suas escolhas e as consequências é uma forma de cultivar e aumentar a criminalidade”, diz trecho do site da instituição.
*Moisés é nome fictício do entrevistado que não quis se identificar.