Rede de Observatórios de Segurança

Falta transparência nos dados de homicídios no Nordeste

event 9 de fevereiro de 2023

*Por Ricardo Moura

Este artigo inaugura uma série de postagens quinzenais sobre criminalidade e violência a partir de um olhar regional que engloba os cinco Estados do Nordeste que compõem a Rede de Observatórios da Segurança (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí). A ideia, desafiadora, é propor uma reflexão transversal que vá além dos limites de cada território estadual, buscando identificar pontos em comum, divergências e pistas de ação que possam ser compartilhadas tanto por governos quanto pela sociedade civil. A forma fragmentada como cada secretaria da segurança pública organiza suas estatísticas criminais e as apresenta é o tema da coluna desta semana.

É consenso que as políticas de segurança precisam se basear em dados. Como os governos podem destinar recursos e traçar estratégias sem mapear ocorrências e identificar tendências de queda ou aumento nos indicadores criminais? Seria o mesmo que um gestor operar às cegas, num eterno mecanismo de tentativa e erro. Para a sociedade, a falta de transparência sobre os dados relativos à violência e à criminalidade impede uma avaliação mais acurada sobre a eficácia das ações governamentais, bem como o exercício do controle social do uso da força.

Registrar as ocorrências e contabilizá-las são os principais desafios para a construção de um banco de dados que possa servir como ferramenta auxiliar para os órgãos de segurança. A subnotificação ainda é uma constante a ser superada. Como assegurar que os números oficiais de furtos e crimes sexuais representam fidedignamente a realidade, por exemplo? 

Muitos furtos deixam de ser relatados pela dificuldade de se acessar o sistema de justiça e nem todos os crimes cometidos na esfera privada chegam a ser formalizados diante do ambiente hostil em que essa denúncia precisa ser feita, tanto pela possível proximidade com os agressores quanto pela falta de condições mais adequadas para que essa ocorrência seja registrada nos equipamentos públicos. 

A criação de um sistema mais eficaz de formalização das denúncias, a realização de campanhas educativas ou, até mesmo, episódios que geram comoção social podem puxar esses índices para cima, dando a impressão de que tais crimes aumentaram quando, possivelmente, eles só passaram a ser contabilizados com maior frequência. 

Por causa disso, os homicídios se apresentam, dentre os indicadores criminais, como um parâmetro universal sobre o grau de violência de um determinado Estado ou País. Seu grau de subnotificação é menor na comparação com os demais crimes. A relativa objetividade desse indicador, contudo, esbarra na falta de uniformidade com a qual as mortes violentas são tratadas pelos órgãos de segurança. Os registros, de estado para estado, variam enormemente. Uma dificuldade adicional reside no fato de os dados obedecerem a critérios de divulgação os mais diversos.

Essa complicação dificulta uma melhor compreensão sobre o fenômeno de cada Estado. Pensar em um painel regional, que abranja dados dos nove estados do Nordeste, por exemplo, soa como uma quimera. Digo isso porque fiz buscas nas cinco secretarias de segurança pública dos cinco estados nordestinos que compõem a Rede de Observatórios e saí desolado com os meus achados. Cada portal tem uma metodologia própria e um layout específico de apresentação dos dados que nem sempre prima pela acessibilidade. 

Apenas o Piauí não segue a classificação padrão de crimes violentos letais intencionais (CLVI) em sua página de estatísticas. O termo compreende os crimes de homicídio doloso, latrocínio (roubo seguido de morte) e lesão corporal seguida de morte e é utilizado pelos demais Estados com algumas variações. A Secretaria da Segurança do Piauí classifica os homicídios apenas como mortes violentas intencionais (MVIs) em um painel bastante confuso com dados que abrangem o período de 2016 a 2022 mas sem estar na ordem cronológica e sim de valores.

A Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, por sua vez, só disponibiliza ao público as informações detalhadas dos homicídios registrados na Grande São Luís (São Luís, São José do Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa). Embora os dados gerais de 2019 a 2023 estejam presentes no site, não há como identificar a distribuição deles pelo interior, inviabilizando assim uma compreensão territorial mais abrangente do fenômeno das mortes violentas.   

A Bahia, por sua vez, possui dados atualizados até setembro de 2022 na contramão dos demais estados que possuem informações mais atualizadas, com ocorrências registradas este ano. Como saber então quantos assassinatos ocorreram no estado baiano no ano passado? A depender somente do site, essa pergunta fica sem resposta. 

Para não ficar apenas no que precisa de melhorias, vale destacar os bons exemplos de Pernambuco e Ceará. Os dois estados possuem um banco de dados de ocorrências mais abrangentes, com indicadores que vão além dos homicídios, com roubos, furtos, crimes sexuais e violência doméstica. Nesse quesito, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), do Ceará, dispõe ainda de informações relativas a apreensões de armas de fogo e drogas, bem como um registro diário de CVLIs por município. Pernambuco, por sua vez, possui uma linha temporal mais ampla, com indicadores que remontam a 2004 e um anuário em que compila as estatísticas criminais de forma bastante abrangente.

A criação do Monitor da Violência, do G1, foi um alento para quem busca compreender a dinâmica da violência letal e da criminalidade para além dos limites do seu Estado. No entanto, esperar pela atualização do monitor não é sinônimo de transparência e de eficácia. A informação mais recente dessa ferramenta é de setembro de 2022. Os Estados que não dispõem de um portal com dados adequados e atualizados sofrem com essa lacuna. O Consórcio Nordeste, que possui uma câmara temática dedicada à segurança pública, poderia colocar como prioridade a padronização das estatísticas oficiais e da forma como elas são apresentadas. É preciso haver uma base comum de dados para que as políticas regionais se desenvolvam. Se o combate ao crime organizado na região precisa ser integrado, os órgãos de segurança devem falar a mesma língua para os seus públicos.  

*Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios

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