Maranhão e Piauí tem um caso de violência a cada três horas
- São 2.060 eventos violentos monitorados nos dois estados
- Policiamento representa 59% do levantamento dos pesquisadores da Rede
- Uma mulher foi vítima de violência a cada 72h, nos dois estados
- Todas as pessoas LGBTQIA+ mortas no Maranhão são negras
- Piauí registrou 13 linchamentos em seis meses
- A Rede produz dados cidadãos através de um monitoramento independente
A Rede de Observatórios começou a operar no Maranhão e Piauí em agosto de 2021 e divulga agora os resultados dos primeiros seis meses de monitoramento no boletim Retratos da violência: novos dados do Maranhão e Piauí. O documento será lançado no próximo dia 24, em evento aberto no auditório do Instituto Federal do Maranhão – IFMA, às 10h. Os pesquisadores apresentarão os resultados do levantamento que conta com 2.060 eventos violentos monitorados. Os dois estados registram juntos 11 casos por dia ou um caso a cada três horas. Os dados estão embargados até as 10h do dia 24 de março.
O boletim reúne as informações coletadas pelos pesquisadores em seis meses de análise diária das informações produzidas por jornais, sites de notícias, grupos de WhatsApp, contas do Twitter e a sistematização dessas informações em um banco de dados. Essa base foi posteriormente confirmada e criticada por outros membros da equipe. Os dados são produzidos de maneira independente e refletem 16 indicadores de violência. Este é um tipo de trabalho chamado de produção cidadã de dados. Acompanhamos eventos que as secretarias estaduais não acompanham como linchamento e chacina. No caso do Maranhão, por exemplo, os órgãos estaduais não catalogam a cor das vítimas, o que impede a criação de políticas públicas adequadas e mascara o racismo estrutural. Mas a Rede sabe a cor dessas pessoas.
No levantamento dos pesquisadores da Rede de Observatórios, policiamento representa 59 dos eventos monitorados. Maranhão e Piauí somam juntos 1.210 eventos deste tipo, com 34 mortes (29 no Maranhão e 5 no Piauí) e 14 feridos nestas ações. Os dados mostram que 85% dos eventos de policiamento são operações policiais. Das 626 operações monitoradas no Maranhão, 461 foram realizadas pela Polícia Civil. A predominância da PC está relacionada à dinâmica local de divulgação de operações feita pela secretaria de segurança para os veículos de imprensa.
Eventos com armas de fogo e feminicídio aparecem na sequência – assim como nos outros estados da Rede. Também é importante destacar a vitimização de agentes de segurança. Enquanto o Maranhão registrou somente 4 vítimas, no Piauí monitoramos 22 eventos de violência – incluindo um suícidio. O estado do Piauí tem um dos menores contingentes policiais do país, com seis mil policiais e metade desse contingente na capital Teresina.
Além do policiamento
Tanto no Maranhão como no Piauí, uma mulher foi vítima de violência a cada 72h. Os números surpreendem ainda mais no Piauí por se tratar de um estado menor e com metade da população do Maranhão. Feminicídios e tentativas de feminicídios correspondem a 69% das violências cometidas contra as mulheres. A maior parte dos crimes foi cometida por companheiros e ex-companheiros. Brigas e términos de relacionamento são as duas principais motivações quando desconsideramos o alto número de casos em que a motivação não é informada.
O estado do Piauí também se destaca no número de meninas vítimas de estupro. Esse é o tipo de violência contra crianças e adolescentes mais recorrente nos dois estados. No total, são 53 casos desse tipo de violência no Piauí contra 27 no Maranhão.
São poucos os registros de violência contra a população LGBTQIA+ nos dois estados. O que pode refletir uma falta de interesse na imprensa local e das instituições de segurança pública. Mas, no Maranhão há duas peculiaridades: a maior parte dos crimes acontece no interior e todas as vítimas de LGBQTQIA+fobia são pessoas negras. Isso indica uma sobreposição de fatores de opressão sob essa população que sofre com o racismo e a violência homofóbica.
Justiça com as próprias mãos
No nosso levantamento de seis meses, o Maranhão, que já foi destaque por no crime de linchamento, registrou cinco casos e aponta para uma redução desse tipo de violência, de acordo com o trabalho de campo da REP realizado nos últimos anos. Quando as facções passaram a regular os territórios das “quebradas” e periferias em 2017, as situações que poderiam motivar linchamentos passaram a ser julgadas pelos membros das facções. Com isso, os números desse tipo de violência no estado se mantiveram baixos.
Já o Piauí registrou 13 linchamentos em seis meses – mesmo sendo menor e com metade da população. O que ocorre é que a população sente o impacto do baixo efetivo policial, do sistema de justiça que não consegue realizar seu trabalho e acaba tomando para si a responsabilidade de fazer justiça. É como se nada funcionasse. O resultado é justiçamento com as próprias mãos.
Sobre a Rede de Observatórios
Após dois anos operando na produção cidadã de dados em cinco estados, a Rede de Observatórios, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), com apoio da Fundação Ford, chegou ao Maranhão e ao Piauí no segundo semestre de 2021. A Rede de Estudos Periféricos, da UFMA e IFMA, e o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens, da UFPI se unem a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD); Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop); Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC) e ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP). O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.