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Maranhão: o ataque racista a Casa Fanti Ashanti não é caso isolado

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event 27 de maio de 2022

Luiz Eduardo Lopes Silva* e Thiago Brandão Lopes**

“Art. 5º, inc.VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias” (Constituição Federal de 1988).

 Infelizmente, mesmo no maranhão, conhecido como terra da macumba, as religiões de matriz africanas não estão livres do racismo religioso. Embora a constituição garanta a liberdade de crença, a festa de Ogum, no último 24 de abril na Casa Fanti Ashanti, no bairro Cruzeiro do Anil, em São Luís, sofreu um ataque de intolerância religiosa e teve que interromper suas atividades. Enquanto mães, pais e filhos de santo saudavam o orixá, integrantes de uma igreja evangélica que fica em frente à Casa, utilizaram carro de som para proferir palavras que feriam a dignidade dos cultos ali praticados, afirmando, dentre outras coisas, que o terreiro era um “lugar de Satanás”.

Os relatos de violações do direito de culto para estas pessoas, infelizmente, é algo comum. Sintoma que nos mostra quanto o racismo é uma prática que tem profundo enraizamento numa sociedade que teve na escravidão sua relação social fundamental. Mais do que isso, tais ataques parecem revelar um momento chave na estratégia de desumanização do outro almejada pelo racismo, pois é no momento de supressão das crenças, religiões, e visões de mundo diversas daquelas praticadas pelo colonizador branco europeu, que se produz a total anulação do outro, e, não menos importante, é o processo mediante o qual sujeitos racistas encontram supostas justificativas teológicas para suas práticas de opressão e segregação.

Com efeito, crimes ligados à intolerância e ao racismo religioso não são casos isolados, e estão profundamente relacionados ao racismo estrutural persistente que grupos afrodescendentes sofrem diariamente. No ano passado, alguns ataques como este se tornaram públicos na Região Metropolitana de São Luís. Um deles foi no Anjo da Guarda e quase terminou em tragédia. Pessoas invadiram o Terreiro de Mina Dom Miguel e atearam fogo no espaço. Duas pessoas estavam na casa, felizmente nenhuma pessoa saiu ferida fisicamente. O dono do terreiro, Pai Lindomar, afirmou que o local tem sofrido sucessivos ataques. No terreiro do Pai João, na Vila Nova, também foi desrespeitado em seu direito de culto. Grupos de outra religião confrontaram o pai de santo na frente de seu terreiro, e ele foi impedido de realizar suas manifestações religiosas. Em Paço do Lumiar, na Comunidade Carlos Augusto, próxima do Maiobão, a Casa Kamafeu de Belas Águas também foi vítima de ataques racistas semelhante aos relatados acima.

É notório que estas ações de intolerância refletem a forma que o racismo opera em sua lógica de desumanização. Entretanto, também é preciso enxergar que, em um momento histórico onde determinados grupos sociais, como povos de comunidades tradicionais e étnico-raciais, são apontados como inimigos por movimentos reacionários, construindo assim uma narrativa política de violência e ataque a esses povos, tais acontecimentos dão sintomas de um projeto intolerante de nação, que visa perpetuar formas de violência estruturadas em seu passado colonial e escravocrata. 

 O direito à liberdade de religião e crença está prevista na nossa constituição e a garantia à liberdade de culto é um direito reconhecido por tratados internacionais assinados pelo Brasil. O respeito ao direito de culto, portanto, é fundamental em uma democracia que tem como marca um povo diverso e plural em suas formas de manifestações culturais e religiosas. No entanto, para os praticantes de religiões de matriz africana esse é um direito ainda a ser conquistado. 

Lançar mão das ferramentas políticas possíveis para derrotar não apenas a violência intolerante de atos como esse, mas também o projeto político que ela representa, parece ser o caminho para que os povos de terreiro tenham direito de manifestar sua religiosidade sem que isso seja um perigo à sua existência.

* Luiz Eduardo é coordenador do Observatório da Segurança no Maranhão

**Thiago é pesquisador do Observatório da Segurança no Maranhão

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