Rede de Observatórios de Segurança

Massacre de Paraisópolis: o judiciário brasileiro como perpetuação de violências sistêmicas

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event 12 de dezembro de 2023

Por Adyel Beatriz*

O início do mês de dezembro marcou quatro anos do Massacre de Paraisópolis, que aconteceu durante o Baile da DZ7 na favela da zona sul da cidade de São Paulo. A ação policial resultou na morte de nove jovens e deixou dezenas de pessoas feridas, gerando grande consternação e debates sobre as ações policiais e a violência em áreas urbanas marginalizadas.

Dos 31 agentes de segurança que estiveram envolvidos na operação durante o evento, 12 foram indiciados por homicídio qualificado com dolo eventual (quando há a aceitação do risco de matar) e um por explosão. Os policiais acusados de matar os nove jovens durante a operação ainda não foram a julgamento.

Em Paraisópolis, Gustavo Cruz Xavier (14), Marcos Paulo Oliveira dos Santos (16), Dennys Guilherme dos Santos Franco (16), Denys Henrique Quirino da Silva (16), Luara Victória Oliveira (18), Gabriel Rogério de Moraes (20), Eduardo da Silva (21), Bruno Gabriel dos Santos (22) e Mateus dos Santos Costa (23) foram mortos em 1° de dezembro de 2019, quando a polícia militar chegou à favela em resposta a uma denúncia de perturbação da ordem pública. 

Os policiais justificaram à época terem sido recebidos com hostilidade pelos frequentadores do baile funk, resultando em uma intervenção policial, na qual utilizaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Em meio ao tumulto, muitas pessoas foram pisoteadas enquanto tentavam fugir da confusão, levando à tragédia. Segundo a acusação do Ministério Público, os policiais estavam familiarizados com a localidade devido à sua área de patrulhamento e “agiram com a desonrosa intenção de provocar tumulto, pânico e angústia, numa demonstração abusiva de autoridade e prepotência contra os participantes do evento cultural”.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP-SP) revelam que a entrada de policiais detidos por homicídios no sistema prisional tem apresentado uma queda anual, embora haja um aumento do crime perpetrado pela PMs no mesmo intervalo. De acordo com as estatísticas trimestrais, entre 2011 e 2019, 6.125 vidas foram perdidas nas mãos de agentes do estado de São Paulo. Nesse mesmo período, 653 servidores públicos de segurança foram encaminhados ao presídio policial Romão Gomes sob acusações de homicídio. A comparação sugere que, para cada dez óbitos oficialmente causados pela polícia, um PM é detido pelo mesmo crime.

A polícia e o sistema penal têm uma atuação seletiva, focalizando principalmente os socialmente vulneráveis, como pessoas pobres residentes em bairros periféricos afastados do centro, onde a presença policial é mais intensa

Justiça e resistência

Na mesma data em que o crime completou quatro anos, foi realizado um ato por justiça e memória das vítimas. Estiveram presentes familiares, movimentos de luta por direitos humanos, como a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, o CDHEP, o Conselho Estadual de Direitos Humanos, representações do movimento negro, representantes de Estado e demais parceiros cobrando por  justiça e honra à memória das vítimas, bem como o reconhecimento da cultura do funk e dos bailes, por meio de apresentações e intervenções artísticas.

Oriundo de favelas e dos negros, o funk, enquanto ritmo urbano e movimento cultural, é historicamente criminalizado e marginalizado no Brasil. O peso da aversão ao pobre e preto se reflete em ações do Estado violentas e higienistas. A invasão ao Baile da DZ7 retrata um cenário amplo de constantes violações policiais em comunidades e periferias durante bailes.

O crime suscitou protestos sobre a atuação policial em territórios periféricos, bem como a criminalização de eventos culturais produzidos nesses contextos. A ação policial foi excessiva num ambiente de lazer frequentado em sua maioria por jovens. O Massacre de Paraisópolis ressaltou a necessidade de reformas na abordagem policial em áreas urbanas marginalizadas.

Entretanto, os números da violência policial seguem altos. As mortes cometidas por policiais militares em serviço no estado de São Paulo aumentaram 86% no terceiro trimestre deste ano, se comparado ao mesmo período em 2022, de acordo com dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública. De julho a setembro, 106 pessoas foram mortas por policiais militares em serviço.

O Massacre de Paraisópolis permanece como um episódio trágico na história recente do Brasil, destacando a necessidade contínua de abordar as complexas questões sociais que permeiam as grandes cidades. No dia 18 de dezembro acontece, no Fórum Criminal da Barra Funda, a segunda audiência de instrução do caso, que as famílias querem levar a júri popular, pela responsabilização dos responsáveis pelas mortes e dezenas de feridos. 

“Quando me dei conta que a polícia estava mentindo decidi me mover para buscar justiça. Jamais me imaginei numa situação dessas. Me apoiei nos movimentos sociais, que tem sido minha muleta. Mas confesso que tem sido dolorido. É muito cruel tudo o que acontece depois que a gente tem um filho assassinado pela polícia. Justiça para mim seria ter meu Denys vivo aqui comigo e isso eu não tenho mais. Mas tenho encarado essa luta como uma forma de justiça para os que estão aqui e ainda são alvo dessa polícia assassina”, disse Maria Cristina Quirino Portugal, mãe de Denys Henrique, em entrevista à Rede de Observatórios. 

Adyel Beatriz é assistente de comunicação da Rede de Observatórios*

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